São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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+ memória

Fé no novo mundo

Morto há dez dias, o sociólogo italiano Giovanni Arrighi apostava em um maior equilíbrio na geopolítica mundial

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

O sociólogo italiano Giovanni Arrighi -que morreu há dez dias em Baltimore (EUA), onde lecionava na Universidade Johns Hopkins- era um dos mais importantes teóricos da relação entre as transformações históricas do capitalismo e a emergência de novas potências hegemônicas. Ele completaria 72 anos em julho.
Arrighi publicou 15 livros, com destaque para a trilogia "O Longo Século 20" (Contraponto), "Caos e Governabilidade no Moderno Sistema Mundial" (Contraponto) e "Adam Smith em Pequim" (Boitempo). A partir da análise dos ciclos de expansão capitalista desde as cidades-Estado italianas, defendia que a transição dos centros de poder -para Holanda, Reino Unido e EUA- sempre significou oportunidade de mudanças na própria natureza do sistema.
O sociólogo acreditava que os EUA chegaram ao fim de sua hegemonia e havia duas décadas enfatizava a ascensão da Ásia.
Mas isso não significava, dizia, que a China ou outro país em particular passaria a ocupar o lugar dos americanos.
"O que podemos observar é uma situação em que há uma igualdade maior entre as nações. Isso pode resultar em caos, mas também pode criar uma situação de maior equilíbrio. Vejo não só a China, mas todo o Sul com boa chance de equalizar as relações de poder", disse à Folha há dois anos.

De Gramsci a Adam Smith
Foi da tese do marxista italiano Antonio Gramsci sobre a hegemonia no contexto nacional que veio o conceito de hegemonia mundial, no sentido de liderança por convencimento, mais do que pura dominação.
Arrighi tinha também como referências o historiador francês Fernand Braudel, o liberal Adam Smith e o húngaro Karl Polanyi, cujo "A Grande Transformação" (1944) apontou na crença nos mercados autorregulados a origem das grandes guerras do século 20.
De Braudel, Arrighi trouxe a ideia de que capitalismo e economia de mercado não são sinônimos, o primeiro se referindo à amálgama entre poder e dinheiro e a segunda à forma de organização do comércio e da produção.
Ele questionava o pensamento convencional sobre o economista político escocês do século 18. "Adam Smith era anticapitalista. Para ele, o mercado era um instrumento do governo para fazer os capitalistas competirem, não os trabalhadores", disse.
As teorias do sociólogo não passam sem controvérsia.
O cientista político José Luís Fiori, autor do livro "O Poder Americano" (Vozes), contesta tanto o suposto declínio dos Estados Unidos quanto a ideia do poder hegemônico criador de estabilidade. Para ele, a disputa entre Estados é intrínseca à "expansão contínua" do capitalismo e "sempre cria, ao mesmo tempo, ordem e desordem, paz e guerra".
Os que conheceram Arrighi destacam seu brilho intelectual e a disponibilidade para compartilhá-lo. "Tinha um coração enorme, generoso", disse Ivana Jinkings, da editora Boitempo, que publicou seu último livro.
"Ele deixou a mais fecunda base teórica para o estudo das relações internacionais no século 21", avaliou José Eli da Veiga, professor da USP.

Apoio a Lula
Giovanni Arrighi nasceu em Milão. O pai, filho de ferroviário, casou-se com a filha do patrão e depois abriu o próprio negócio, como contou numa entrevista-testamento publicada na edição de março-abril da britânica "New Left Review".
Estudou economia, na época "intocada pelo keynesianismo", e fez pesquisa na fábrica de máquinas têxteis do avô.
Em 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era criticado pela política econômica ortodoxa, ele o elogiou: "A irresponsabilidade financeira não ajuda ninguém e não ajudará os países do Sul, só os tornará mais endividados".
Foi ao lecionar nos anos 60 na Tanzânia e na colônia britânica da Rodésia (hoje Zimbábue) que Arrighi passou à sociologia: "A tradição neoclássica baseada em modelos matemáticos nada tinha a ver com as realidades da vida africana".
Giovanni Arrighi concluiu "Adam Smith em Pequim" com o tom positivo sobre a possibilidade de uma "comunidade de civilizações mais iguais".
Questionado pela "New Left Review" se chamaria isso de socialismo, disse:
"Se esse sistema mundial fosse chamado de socialismo, teria que ser redefinido em termos de respeito mútuo entre os homens e de respeito coletivo pela natureza. Mas teria de ser organizado por trocas de mercado reguladas pelo Estado, de modo a dar mais poder ao trabalho e menos ao capital, e não pela propriedade estatal dos meios de produção".


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