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+ memória
Fé no novo mundo
Morto há dez dias, o sociólogo italiano Giovanni Arrighi apostava em um maior equilíbrio na geopolítica mundial
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
O sociólogo italiano
Giovanni Arrighi
-que morreu há
dez dias em Baltimore (EUA), onde
lecionava na Universidade
Johns Hopkins- era um dos
mais importantes teóricos da
relação entre as transformações históricas do capitalismo e
a emergência de novas potências hegemônicas. Ele completaria 72 anos em julho.
Arrighi publicou 15 livros,
com destaque para a trilogia "O
Longo Século 20" (Contraponto), "Caos e Governabilidade
no Moderno Sistema Mundial"
(Contraponto) e "Adam Smith
em Pequim" (Boitempo). A
partir da análise dos ciclos de
expansão capitalista desde as
cidades-Estado italianas, defendia que a transição dos centros de poder -para Holanda,
Reino Unido e EUA- sempre
significou oportunidade de
mudanças na própria natureza
do sistema.
O sociólogo acreditava que
os EUA chegaram ao fim de sua
hegemonia e havia duas décadas enfatizava a ascensão da
Ásia.
Mas isso não significava, dizia, que a China ou outro país
em particular passaria a ocupar
o lugar dos americanos.
"O que podemos observar é
uma situação em que há uma
igualdade maior entre as nações. Isso pode resultar em
caos, mas também pode criar
uma situação de maior equilíbrio. Vejo não só a China, mas
todo o Sul com boa chance de
equalizar as relações de poder",
disse à Folha há dois anos.
De Gramsci a Adam Smith
Foi da tese do marxista italiano Antonio Gramsci sobre a hegemonia no contexto nacional
que veio o conceito de hegemonia mundial, no sentido de liderança por convencimento, mais
do que pura dominação.
Arrighi tinha também como
referências o historiador francês Fernand Braudel, o liberal
Adam Smith e o húngaro Karl
Polanyi, cujo "A Grande Transformação" (1944) apontou na
crença nos mercados autorregulados a origem das grandes
guerras do século 20.
De Braudel, Arrighi trouxe a
ideia de que capitalismo e economia de mercado não são sinônimos, o primeiro se referindo à amálgama entre poder e
dinheiro e a segunda à forma de
organização do comércio e da
produção.
Ele questionava o pensamento convencional sobre o
economista político escocês do
século 18. "Adam Smith era anticapitalista. Para ele, o mercado era um instrumento do governo para fazer os capitalistas
competirem, não os trabalhadores", disse.
As teorias do sociólogo não
passam sem controvérsia.
O cientista político José Luís
Fiori, autor do livro "O Poder
Americano" (Vozes), contesta
tanto o suposto declínio dos
Estados Unidos quanto a ideia
do poder hegemônico criador
de estabilidade. Para ele, a disputa entre Estados é intrínseca
à "expansão contínua" do capitalismo e "sempre cria, ao mesmo tempo, ordem e desordem,
paz e guerra".
Os que conheceram Arrighi
destacam seu brilho intelectual
e a disponibilidade para compartilhá-lo. "Tinha um coração
enorme, generoso", disse Ivana
Jinkings, da editora Boitempo,
que publicou seu último livro.
"Ele deixou a mais fecunda
base teórica para o estudo das
relações internacionais no século 21", avaliou José Eli da
Veiga, professor da USP.
Apoio a Lula
Giovanni Arrighi nasceu em
Milão. O pai, filho de ferroviário, casou-se com a filha do patrão e depois abriu o próprio
negócio, como contou numa
entrevista-testamento publicada na edição de março-abril da
britânica "New Left Review".
Estudou economia, na época
"intocada pelo keynesianismo", e fez pesquisa na fábrica
de máquinas têxteis do avô.
Em 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
era criticado pela política econômica ortodoxa, ele o elogiou:
"A irresponsabilidade financeira não ajuda ninguém e não
ajudará os países do Sul, só os
tornará mais endividados".
Foi ao lecionar nos anos 60
na Tanzânia e na colônia britânica da Rodésia (hoje Zimbábue) que Arrighi passou à sociologia: "A tradição neoclássica baseada em modelos matemáticos nada tinha a ver com as
realidades da vida africana".
Giovanni Arrighi concluiu
"Adam Smith em Pequim" com
o tom positivo sobre a possibilidade de uma "comunidade de
civilizações mais iguais".
Questionado pela "New Left
Review" se chamaria isso de socialismo, disse:
"Se esse sistema mundial fosse chamado de socialismo, teria
que ser redefinido em termos
de respeito mútuo entre os homens e de respeito coletivo pela
natureza. Mas teria de ser organizado por trocas de mercado
reguladas pelo Estado, de modo
a dar mais poder ao trabalho e
menos ao capital, e não pela
propriedade estatal dos meios
de produção".
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