São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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O Dante da modernidade

ELEVADO EM VIDA A UM DOS GRANDES POETAS DA LÍNGUA INGLESA, T.S. ELIOT INFLUENCIOU ATÉ "A INVENÇÃO DE ORFEU", DO BRASILEIRO JORGE DE LIMA

IVO BARROSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

M omento estelar da conjunção de homem certo no lugar exato, Thomas Stearns Eliot tornou-se o poeta maior do entreguerras ao encarnar uma transição do passado para o futuro. De formação clássica, universitária, com incursão pelos domínios da filosofia, andou de início quebrando os ídolos do romantismo e da poesia discursiva. Entronizou no altar da novidade um ex-deus que andava postergado: John Donne [1572-1631].
Trocando a linguagem descritiva e passional por um discurso isento de sentimentalismo e voltado para a exposição de ideias, valeu-se grandemente da técnica da montagem, do fragmento, da intertextualidade para "eliotizar" os "morceaux choisis" de sua vasta erudição -que compreendia o domínio de várias línguas, inclusive o sânscrito.
Seu contato com a vida literária francesa lhe revelou o verso fluente de Jules Laforgue [1860-87], o que lhe permitiu contaminar sua expressão metafísica com um coloquialismo que lhe garantiu um tom estilístico peculiar, até então desconhecido nas letras inglesas. Mas foi graças à confiança e à pertinácia de seu conterrâneo Ezra Pound que Eliot teve publicado seu livro "A Terra Desolada", contornando a barreira de várias recusas e desconfianças editoriais. Sua técnica do "patchwork",
da colcha de retalhos, o tratamento "leitmotiv" dos temas, as disjunções temáticas acabaram acentuando o caráter de hermetismo dos versos.
De tal forma que, ao sair a lume em 1922, muitos críticos acreditaram tratar-se de uma piada ou brincadeira de mau gosto. Desde então, no entanto, Eliot passou a ocupar uma posição de proeminência, para não dizer ditatorial, no cenário da literatura inglesa, tal como antes dele pontificaram Ben Jonson, Dryden, Pope, Samuel Johnson, Coleridge e Matthew Arnold, todos eles dublês de críticos e poetas.

"Furos"
Considerava-se sua poesia como o ponto mais elevado da criatividade humana, só antes alcançado por um Rilke (outro poeta do espírito).
Seus conceitos críticos passaram a ser tidos como julgamentos magisteriais, apesar de "furos" que lhe foram apontados por sua visão estrábica em relação, por exemplo, à grandiosidade de Blake. Embora tenha dito que "o poeta deve adotar como material sua própria linguagem tal como é realmente falada ao seu redor", Eliot é em geral "difícil" e exige formação intelectual.
Mas sua técnica do verso, o poder de transformar conceitos em palpitações poéticas isentam a compreensão imediata do conteúdo discursivo em proveito de uma fruição indistinta da beleza plástica do verso.
Em "Quatro Quartetos", seu momentum definitivo de 1943, as linhas iniciais transportam o leitor a um dos mais elevados patamares da arte de dizer e de sentir. Neles Eliot atingiu a condição de "suma", tornou-se o Dante da modernidade.
A apreciação da obra poética de Eliot se transformou, ao longo do século 20, em verdadeira devoção. Nos meios universitários de todo o mundo, perdeu-se a conta das teses, estudos e "papers" a ele dedicados.

Sucesso no teatro
A influência de Eliot na poesia, não só de língua inglesa como de resto em todo o mundo, se fez sentir durante toda a sua fase produtiva (1922-1943) e só começou a arrefecer quando se voltou para a criação teatral.
Sua tentativa de atingir, no teatro, um público mais amplo, escrevendo comédias "leves" em versos, sem preocupações devocionais, como "Reunião em Família", "Cocktail Party", "O Secretário Particular" e "O Velho Estadista", trouxe a Eliot apenas algum sucesso de estima, de curta duração.
Ele só conheceria a glória do palco depois que Lloyd Weber transformou seus "practical cats" num espetáculo musical ["Cats"], que o poeta não chegou a assistir.
No Brasil abundaram os Eliots, doutrinários ou simplesmente hermético-fragmentários. Mas a ambição do poema longo pelo menos frutificou num dos pontos mais altos da lírica nacional, na "Invenção de Orfeu", de Jorge de Lima. É curioso notar que a influência de Pound foi muito mais pronunciada e visível entre nós que a de Eliot. Embora os "Quatro Quartetos" tenham conhecido pelo menos três traduções completas, os "Cantos", de Pound, eram permanentemente citados, traduzidos e plagiados em nossos suplementos literários dos anos 1950 e 60.


IVO BARROSO é poeta e crítico. Traduziu para o português, além de T.S. Eliot, autores como Arthur Rimbaud e William Shakespeare.


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