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O Dante da modernidade
ELEVADO EM VIDA A UM DOS GRANDES POETAS DA LÍNGUA INGLESA, T.S. ELIOT INFLUENCIOU ATÉ "A INVENÇÃO DE ORFEU", DO BRASILEIRO JORGE DE LIMA
IVO BARROSO
ESPECIAL PARA A FOLHA
M
omento estelar
da conjunção
de homem certo no lugar exato, Thomas
Stearns Eliot tornou-se o poeta
maior do entreguerras ao encarnar uma transição do passado para o futuro.
De formação clássica, universitária, com incursão pelos
domínios da filosofia, andou de
início quebrando os ídolos do
romantismo e da poesia discursiva. Entronizou no altar da novidade um ex-deus que andava
postergado: John Donne
[1572-1631].
Trocando a linguagem descritiva e passional por um discurso isento de sentimentalismo e voltado para a exposição
de ideias, valeu-se grandemente da técnica da montagem, do
fragmento, da intertextualidade para "eliotizar" os "morceaux choisis" de sua vasta erudição -que compreendia o domínio de várias línguas, inclusive o sânscrito.
Seu contato com a vida literária francesa lhe revelou o
verso fluente de Jules Laforgue
[1860-87], o que lhe permitiu
contaminar sua expressão metafísica com um coloquialismo
que lhe garantiu um tom estilístico peculiar, até então desconhecido nas letras inglesas.
Mas foi graças à confiança e à
pertinácia de seu conterrâneo
Ezra Pound que Eliot teve publicado seu livro "A Terra Desolada", contornando a barreira de várias recusas e desconfianças editoriais.
Sua técnica do "patchwork",
da colcha de retalhos, o tratamento "leitmotiv" dos temas,
as disjunções temáticas acabaram acentuando o caráter de
hermetismo dos versos.
De tal forma que, ao sair a lume em 1922, muitos críticos
acreditaram tratar-se de uma
piada ou brincadeira de mau
gosto. Desde então, no entanto,
Eliot passou a ocupar uma posição de proeminência, para
não dizer ditatorial, no cenário
da literatura inglesa, tal como
antes dele pontificaram Ben
Jonson, Dryden, Pope, Samuel
Johnson, Coleridge e Matthew
Arnold, todos eles dublês de
críticos e poetas.
"Furos"
Considerava-se sua poesia
como o ponto mais elevado da
criatividade humana, só antes
alcançado por um Rilke (outro
poeta do espírito).
Seus conceitos críticos passaram a ser tidos como julgamentos magisteriais, apesar de
"furos" que lhe foram apontados por sua visão estrábica em
relação, por exemplo, à grandiosidade de Blake.
Embora tenha dito que "o
poeta deve adotar como material sua própria linguagem tal
como é realmente falada ao seu
redor", Eliot é em geral "difícil"
e exige formação intelectual.
Mas sua técnica do verso, o
poder de transformar conceitos em palpitações poéticas
isentam a compreensão imediata do conteúdo discursivo
em proveito de uma fruição indistinta da beleza plástica do
verso.
Em "Quatro Quartetos", seu
momentum definitivo de 1943,
as linhas iniciais transportam o
leitor a um dos mais elevados
patamares da arte de dizer e de
sentir. Neles Eliot atingiu a
condição de "suma", tornou-se
o Dante da modernidade.
A apreciação da obra poética
de Eliot se transformou, ao longo do século 20, em verdadeira
devoção. Nos meios universitários de todo o mundo, perdeu-se a conta das teses, estudos e
"papers" a ele dedicados.
Sucesso no teatro
A influência de Eliot na poesia, não só de língua inglesa como de resto em todo o mundo,
se fez sentir durante toda a sua
fase produtiva (1922-1943) e só
começou a arrefecer quando se
voltou para a criação teatral.
Sua tentativa de atingir, no
teatro, um público mais amplo,
escrevendo comédias "leves"
em versos, sem preocupações
devocionais, como "Reunião
em Família", "Cocktail Party",
"O Secretário Particular" e "O
Velho Estadista", trouxe a Eliot
apenas algum sucesso de estima, de curta duração.
Ele só conheceria a glória do
palco depois que Lloyd Weber
transformou seus "practical
cats" num espetáculo musical
["Cats"], que o poeta não chegou a assistir.
No Brasil abundaram os
Eliots, doutrinários ou simplesmente hermético-fragmentários. Mas a ambição do
poema longo pelo menos frutificou num dos pontos mais altos da lírica nacional, na "Invenção de Orfeu", de Jorge de
Lima. É curioso notar que a influência de Pound foi muito
mais pronunciada e visível entre nós que a de Eliot.
Embora os "Quatro Quartetos" tenham conhecido pelo
menos três traduções completas, os "Cantos", de Pound,
eram permanentemente citados, traduzidos e plagiados em
nossos suplementos literários
dos anos 1950 e 60.
IVO BARROSO é poeta e crítico. Traduziu para o
português, além de T.S. Eliot, autores como Arthur Rimbaud e William Shakespeare.
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