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PONTO DE FUGA
A vagina e a arte
JORGE COLI
especial para a Folha
Os contemporâneos de Rodin
insistiram em seu temperamento libidinoso. Ele deixou
pequenas esculturas em que o
sexo feminino se escancara e
traçou, sobre o papel, fêmeas
que seu "olho grande, proeminente e luxurioso", devorava:
os adjetivos são de Paul Claudel, admirável poeta, irmão da
infeliz Camille. O vigor e a
qualidade desses desenhos surgem de um traço a serviço de
uma obsessão, cujo impulso
inicial parece ser o mesmo dos
grafites desajeitados nos banheiros públicos, que inscrevem formas femininas com vaginas desmedidas. Nas obras
gráficas selecio nadas para a
exposição "Aquarelas e Desenhos Eróticos de Rodin", no
Ibirapuera, em SP, muitos modelos se contorcem e se abrem,
de frente, de costas, para melhor exporem suas intimidades, sublinhadas com força pelo lápis nervoso ou pela mancha brutal da aquarela em tom
sujo. Nos tempos de Rodin, o
chamado "nu artístico" via-se
atacado em seus álibis culturais por artistas que restauravam a sexualidade antes disfarçada. Rops e Egon Schiele
são exemplos evidentes. Eles
não possuem, entretanto, o tropismo violento, a brutalidade
instintiva de Rodin, que poderia evocar Dubuffet e o "art
brut", não fosse a beleza sensual das formas. Desejo com
pulsivo, o mais imediato, que
busca saciar-se por meio do
gesto artístico.
LENTES - Nestes tempos em
que filmes derramam-se em
longos "travellings" sinuosos e
surpreendentes, Alfonso Cuaron desenvolveu, ao contrário,
um estilo que parte da montagem, num jogo de contrastes
entre recortes aproximados e
mais distantes. "Grandes Esperanças" constrói a loucura de
Mrs. Dinsmoor fazendo-a evoluir nos aposentos fechados onde vive e mostrando, no detalhe, as misérias que o tempo
causou no rosto envelhecido da
atriz Anne Bancroft. Integra,
sem ruptura, os desenhos e pinturas de Francesco Clemente,
imagens imóveis. A trama inventada por Dickens se modifica, mas o espírito inicial permanece. São individualidades
solitárias e desgarradas, sem
famílias, sem carreiras convencionais, encontrando, no acaso
das trajetórias e dos cruzamentos, vínculos estranhos e indissolúveis com outros personagens, numa rede informal e inesperada.
SONHOS - O artista napolitano Francesco Clemente conserva um caráter criador muito
além das intenções mercadológicas da "Transvanguardia",
movimento criado por Bonito
Oliva no início dos anos de
1980 e do qual ele fez parte. É
espantoso no campo gráfico.
Nunca desenhos tão poéticos
inseriram-se num filme como
os que concebeu para "Grandes
Esperanças".
TELAS - Há uns 15 anos
atrás, a chegada dos vídeos domésticos parecia ter enterrado
definitivamente o cinema. O
retorno de salas bem equipadas e o interesse renovado do
público foi uma surpresa feliz
neste fim de século. Fica, no entanto, a impressão de que o número das salas em nosso país é
ainda insuficiente, ao menos se
pensarmos na rapidez com que
certos filmes, um pouco confidenciais, permanecem em cartaz. Foi assim que o discreto
"Grandes Esperanças", de Alfonso Cuaron, já não está em
São Paulo. É possível que seja
ainda projetado em outras cidades.
Jorge Coli é historiador da arte
E-mail: coli@correionet.com.br
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