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PONTO DE FUGA
O que é que há, velhinho?
JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York
Joguinho do jeito que o caderno Mais! gosta: estabelecer
uma lista dos principais nomes
da cultura do século 20, começando com a letra P. Picasso, é
claro. Proust. Prokofiev também. Pernalonga. Ei, espere aí!
"What's up, Doc?". Você está
maluco?
Num cinema, em NY, a Warner apresenta 15 cópias restauradas de desenhos animados,
em maioria do coelho esperto.
Na tela grande, e sem as dublagens que reduzem a pó essas
pequenas obras-primas, fica
muito claro por que desde o
primeiro, realizado em 1940,
elas não envelhecem. Misturam, o que não é nada fácil, a
invenção delirante, sem limites, jorrando inesgotável, e o
perfeccionismo preciso do
acabamento.
"Duck Amuk" mostra Patolino perseguido por um desenhista desconhecido, que
bombardeia até mesmo os limites do quadro de projeção,
fazendo a tela cair sobre o desesperado pato. Quando ele
não aguenta mais e urra
"Quem é você? Eu exijo que
você se mostre!", o tom possui
uma raivosa perplexidade
existencial. No final, o deus-cartunista, ignorado de Patolino, revela-se só para o público:
é o próprio Pernalonga.
Há também uma imensa sofisticação musical. Em "What's
Opera Doc", a perseguição vira
um libreto de Wagner, cuja
obra passa por um resumo
desvairado e rigoroso, emendando trechos de "O Navio
Fantasma" à "Tetralogia", em
que Pernalonga é Brunnhilde.
Vamos lá, de novo: agora,
grandes nomes da cultura do
século começados com a letra
B: Bertolt Brecht. Béla Bartók.
Bugs Bunny, "Hey, what's up,
Doc?".
Sixties - Terence Stamp era
dono de um fascínio inocente e
perverso. Isso permitiu que ele
encarnasse alguns dos personagens mais perturbadores do
cinema. Foi "O Colecionador"
de William Wyler, o "Tobby
Dammit" de Fellini e, sobretudo, o anjo erótico do "Teorema" de Pasolini. Peter Fonda
identificou-se com o rebelde
sem causa de "Easy Rider", expressando sentimentos de
uma geração em revolta. Joe
Dallessandro era o ídolo de
Warhol e Morrissey. Estrelou
"Trash", "Flesh", "Heat", trilogia "underground" e maravilhoso momento de cinema.
São, portanto, três atores que
marcaram um certo público
mais sofisticado dos anos de
1960 e 70. Reuni-los num filme,
hoje, é uma idéia muito boa,
homenagem que permite também a demonstração do talento intacto. Os três madurões
são, de fato, o que há de melhor
no atual "The Limey". Seu diretor, Steven Soderberg, possui
habilidade em fabricar uma
imagem "intelectual" de seu cinema; o vazio "Sexo, Mentiras
e Videoteipe" conseguiu o sucesso que se sabe. "The Limey"
imita intencionalmente um
certo estilo de vanguarda de 30
anos atrás. Salva-se em alguns
momentos, poucos e breves.
Ciber - A Metropolitan Opera instalou um site sobre sua
própria história na Internet.
Nele, foi consagrada a Bidu Sayão a mais completa e a mais
bela página. Contém admiráveis fotografias e uma revista
em quadrinhos dos anos de
1940, que resume habilmente a
carreira da cantora. Seu título é
"The Boast of Brazil". O traço é
ótimo, sugestivo e fiel na semelhança dos personagens. Bidu
cantando sob o acompanhamento de Mme. Theodorini,
torcendo o pé na Ópera de Roma ou sendo apresentada a
Toscanini: há momentos antológicos.
Dúvida - Quem é maior, Pernalonga ou o Pica-Pau? Não é
fácil responder à incômoda
questão. Os puristas, é verdade, não hesitam: Pernalonga.
Mas o Pica-Pau da grande época, com seu riso de escárnio
que se fixou em todas as mentes, com sua agitação maluca e
nervosa, oposta à "démarche"
calma e clássica do coelho, dá
um passo em direção ao pesadelo angustiante. Pernalonga?
Pica-Pau? Cartas para esta coluna.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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