São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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PONTO DE FUGA

O que é que há, velhinho?

JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York

Joguinho do jeito que o caderno Mais! gosta: estabelecer uma lista dos principais nomes da cultura do século 20, começando com a letra P. Picasso, é claro. Proust. Prokofiev também. Pernalonga. Ei, espere aí! "What's up, Doc?". Você está maluco?
Num cinema, em NY, a Warner apresenta 15 cópias restauradas de desenhos animados, em maioria do coelho esperto. Na tela grande, e sem as dublagens que reduzem a pó essas pequenas obras-primas, fica muito claro por que desde o primeiro, realizado em 1940, elas não envelhecem. Misturam, o que não é nada fácil, a invenção delirante, sem limites, jorrando inesgotável, e o perfeccionismo preciso do acabamento.
"Duck Amuk" mostra Patolino perseguido por um desenhista desconhecido, que bombardeia até mesmo os limites do quadro de projeção, fazendo a tela cair sobre o desesperado pato. Quando ele não aguenta mais e urra "Quem é você? Eu exijo que você se mostre!", o tom possui uma raivosa perplexidade existencial. No final, o deus-cartunista, ignorado de Patolino, revela-se só para o público: é o próprio Pernalonga.
Há também uma imensa sofisticação musical. Em "What's Opera Doc", a perseguição vira um libreto de Wagner, cuja obra passa por um resumo desvairado e rigoroso, emendando trechos de "O Navio Fantasma" à "Tetralogia", em que Pernalonga é Brunnhilde. Vamos lá, de novo: agora, grandes nomes da cultura do século começados com a letra B: Bertolt Brecht. Béla Bartók. Bugs Bunny, "Hey, what's up, Doc?".

Sixties - Terence Stamp era dono de um fascínio inocente e perverso. Isso permitiu que ele encarnasse alguns dos personagens mais perturbadores do cinema. Foi "O Colecionador" de William Wyler, o "Tobby Dammit" de Fellini e, sobretudo, o anjo erótico do "Teorema" de Pasolini. Peter Fonda identificou-se com o rebelde sem causa de "Easy Rider", expressando sentimentos de uma geração em revolta. Joe Dallessandro era o ídolo de Warhol e Morrissey. Estrelou "Trash", "Flesh", "Heat", trilogia "underground" e maravilhoso momento de cinema. São, portanto, três atores que marcaram um certo público mais sofisticado dos anos de 1960 e 70. Reuni-los num filme, hoje, é uma idéia muito boa, homenagem que permite também a demonstração do talento intacto. Os três madurões são, de fato, o que há de melhor no atual "The Limey". Seu diretor, Steven Soderberg, possui habilidade em fabricar uma imagem "intelectual" de seu cinema; o vazio "Sexo, Mentiras e Videoteipe" conseguiu o sucesso que se sabe. "The Limey" imita intencionalmente um certo estilo de vanguarda de 30 anos atrás. Salva-se em alguns momentos, poucos e breves.

Ciber - A Metropolitan Opera instalou um site sobre sua própria história na Internet. Nele, foi consagrada a Bidu Sayão a mais completa e a mais bela página. Contém admiráveis fotografias e uma revista em quadrinhos dos anos de 1940, que resume habilmente a carreira da cantora. Seu título é "The Boast of Brazil". O traço é ótimo, sugestivo e fiel na semelhança dos personagens. Bidu cantando sob o acompanhamento de Mme. Theodorini, torcendo o pé na Ópera de Roma ou sendo apresentada a Toscanini: há momentos antológicos.

Dúvida - Quem é maior, Pernalonga ou o Pica-Pau? Não é fácil responder à incômoda questão. Os puristas, é verdade, não hesitam: Pernalonga. Mas o Pica-Pau da grande época, com seu riso de escárnio que se fixou em todas as mentes, com sua agitação maluca e nervosa, oposta à "démarche" calma e clássica do coelho, dá um passo em direção ao pesadelo angustiante. Pernalonga? Pica-Pau? Cartas para esta coluna.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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