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+Livros
Um assunto de mulheres
Pioneira dos estudos feministas,
Elaine Showalter publica
a 1ª história
literária
das escritoras
dos EUA
CHRISTINE SMALWOOD
Professora emérita de
inglês na Universidade de Princeton
(EUA), Elaine Showalter é pioneira nos
estudos da mulher e da crítica
literária feminista.
Em seu novo livro, "A Jury of
Her Peers - American Women
Writers from Anne Bradstreet
to Annie Proulx" [Um Júri de
Seus Pares - Escritoras Norte-Americanas de Anne Bradstreet a Annie Proulx, 608 págs.,
US$ 30, R$ 68], ela toma por
base trabalhos publicados, e
não diários ou cartas, para escrever a primeira história literária das escritoras dos Estados Unidos.
PERGUNTA - Quais foram as maiores surpresas que a sra. encontrou
enquanto pesquisava?
ELAINE SHOWALTER - A coisa mais
importante para mim -e isso é
um motivo para o livro- é a alta
qualidade da escrita. Descobri
muito material excelente. Não
estamos falando em defender
uma causa ou a importância
cultural das escritoras, e sim de
escrita de primeira.
A segunda coisa foi o fato de
que diversos momentos históricos emergiram como muito
significativos para a escrita feminina. A Independência dos
EUA (1776) gerou um ímpeto
tremendo. É espantoso descobrir quantos livros de escritoras norte-americanas têm cenas passadas em 4 de julho [Dia
da Independência do país] e
quanto o momento foi importante para elas em termos de
autodefinição.
PERGUNTA - Há períodos especialmente notáveis?
SHOWALTER - A década de 1850
sempre foi vista como o momento em que a literatura norte-americana atingiu a maturidade, sobretudo em termos
masculinos -a década de Nathaniel Hawthorne, Walt Whitman, Ralph Waldo Emerson e
Herman Melville.
Mas também foi uma década
em que surgiram mulheres escritoras de todos os gêneros;
houve até o surgimento de escritoras negras.
Algumas datas específicas
são importantes na década de
1850 -o julgamento e a execução de John Brown [1859]; a
fundação da revista "Atlantic
Monthly", em 1857, que estabeleceu uma divisão entre literatura popular e de elite.
Não é que a "Atlantic
Monthly" não publicasse o trabalho de escritoras -isso acontecia. Mas foi o começo de um
período bastante prolongado
em que as publicações de elite
estavam sob o controle de editores homens.
As mulheres tinham de batalhar para serem aceitas por
eles, e vieram não só a acatar os
padrões que eles impunham,
mas também a fantasiá-los.
Quando se chega ao século
20, há um longo período em
que a publicação intelectual era
a "Partisan Review", seguida, é
claro, pela "New Yorker", que
ainda ocupa o mesmo posto.
E é engraçado porque, nos
diários das escritoras, pode-se
ler que tinham sonhos sobre
essas revistas. Sylvia Plath sonhou certa noite que estava na
cama com a "Partisan Review".
Mas essa divisão entre literatura popular e de elite foi muito
prejudicial para as mulheres
em termos de reputação e de
seu lugar na história literária
norte-americana.
PERGUNTA - Seu livro é longo. A sra.
espera que as pessoas o leiam do começo ao fim ou saltem de parte a
parte quando puderem?
SHOWALTER - Os leitores podem
decidir por conta própria.
Imagino que algumas pessoas venham a usá-lo como livro de referência, como plataforma de decolagem, mas existe uma história ali, um começo,
um meio e um fim.
As vidas das escritoras são
bastante fascinantes por si sós.
Um exemplo é Julia Ward
Howe, que escreveu "Battle
Hymn of the Republic" [Hino
de Batalha da República, canção abolicionista].
Mas também foi uma grande
poeta. Publicou seu primeiro livro de poesia em 1853, anonimamente -"Passion-Flowers".
Boa parte dos poemas tratava
de seu casamento infeliz.
Quando o livro saiu, foi um
imenso sucesso. Hawthorne
disse que considerava Howe a
melhor das poetas mulheres.
Todo mundo sabia que o livro
era dela, porque o cenário literário era muito pequeno. Foi
um grande escândalo, e quando
o marido de Howe descobriu
-ela não lhe havia mostrado-,
a ameaçou de divórcio e de tirar
dela a guarda dos filhos caso
viesse a escrever qualquer coisa
parecida no futuro.
Ainda que escrevesse muito,
jamais voltou a escrever poemas como aqueles. Também
estava escrevendo um romance, que nem sequer tentou publicar, sobre um hermafrodita
chamado Larry.
PERGUNTA - Qual é a situação da
crítica literária feminina na academia, atualmente?
SHOWALTER - As realizações
vêm sendo formidáveis, internacionalmente, e um dos efeitos foi que, em comparação
com as pesquisas que fiz sobre
escritoras britânicas, nos anos
1970, minhas pesquisas sobre
as escritoras norte-americanas
se tornaram muito mais fáceis.
Há muito mais material em
catálogo, muito mais livros foram editados, muito mais conteúdo está catalogado.
E temos o milagre da internet. Um volume assombroso de
literatura foi digitalizado, e
consegui realizar boa parte de
minha pesquisa sem sair de minha mesa.
Por outro lado, ideologicamente, creio que chegamos a
uma espécie de impasse.
As coisas se tornaram tão
fragmentadas e tão politizadas,
em termos da necessidade de
representar cada elemento,
que a diversidade se tornou de
fato o valor dominante, em lugar da qualidade.
Acredito que diversidade e
qualidade possam coexistir.
Expus minha opinião, meus
julgamentos, e agora cabe às
pessoas discuti-los. Mas creio
que seja importante começar
de um ponto em que a discussão seja possível. Literatura
não gira em torno de complacência e de concordância.
O que mantém legível o trabalho de um escritor é que ele
esteja aberto a todas essas formas de debate sobre o seu valor, bem como seu conteúdo.
PERGUNTA - A sra. é muito popular
como crítica literária. O que tem a dizer sobre a resenha de livros?
SHOWALTER - Fiquei muito,
muito triste com o fechamento
do "Washington Post Book
World" [caderno de resenhas
literárias do jornal "Washington Post"] e sua transferência,
digamos, para a internet.
Passo cerca de metade do ano
em Londres, onde esse tipo de
situação é menos comum. Todos os jornais diários publicam
resenhas de livros diversas vezes por semana.
No sábado temos o "Guardian Review", em minha opinião a melhor publicação independente de resenha de livros
do planeta. Temos o "Times Literary Supplement", o "London
Review of Books", revistas, programas de rádio e até mesmo
programas de TV nos quais os
livros ainda ocupam posição
central na cultura e na conversa das pessoas.
Não compreendo por que o
mesmo não pode ser feito nos
EUA. Em parte, claro, é uma
questão econômica. Também
creio que as críticas de livros
em Londres são mais empreendedoras e criativas que as norte-americanas.
A inventividade, o humor e a
mordacidade de uma publicação como o "Guardian Review"
poderiam realmente fazer diferença para as resenhas de livros
nos EUA, que continuam a ser
muito sérias -abandonai todo
o humor, vós que entrais-,
muito sisudas, uma espécie de
ocupação reservada à elite.
No Reino Unido, existem
tantas resenhas de qualquer livro que ninguém se importa se
o resenhista conhecer o autor,
for seu antigo amante, antigo
inimigo. A cultura literária alimenta a literatura.
O desaparecimento das resenhas no mercado norte-americano é uma nota bastante ominosa quanto ao que vai acontecer na cultura.
Esta entrevista foi publicada na "Nation".
Tradução de Paulo Migliacci.
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