São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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Poesia sobre o vazio

RÉGIS BONVICINO

especial para a Folha
"À Maneira Negra", quinta coletânea do também ensaísta Jorge Lucio de Campos, estimula, e é este seu principal mérito, reflexão a respeito do estado da poesia brasileira contemporânea, que -a meu ver-, desinformada e conformista, limita-se a se "debater", sem resultados expressivos, com (mas, contra, nunca) as tradições do modernismo, concretismo e tropicalismo (quando não, o que é mais "pobre", com traços do século 19), não conseguindo estabelecer novos paradigmas, apesar das exceções. Exceções, quase todas situadas na "área sensível", para me valer de expressão do maestro Júlio Medaglia, tais como, entre jovens, Claudia Roquette-Pinto ou Antonio Moura. No que se poderia chamar (Medaglia ainda) de "área inteligente", o campo em que se pensam e se articulam novos conceitos e novas leituras da cena brasileira, quase nada há. "À Maneira Negra", inscrevendo-se mais acentuadamente na "área inteligente", tenta romper com tais "tradições" -buscando outros paradigmas. Jorge Lucio de Campos não "retoma" Bandeira, Drummond ou Cabral -ao contrário de muitos, que o fazem de forma tépida. O tratamento fragmentário da linguagem é diverso do melhor e do pior concretismo. Em "À Maneira Negra" não há marcas de tropicalismo. O livro opera com a idéia do vazio, na qual se encontra a poesia brasileira: "... A um passo assim/ contar silêncios/ que a tudo cifram...". Em toda a coletânea se percebe o esforço em trabalhar "o sentimento das palavras como estando distantes, como tendo de ser guiadas de volta" -para aqui me valer de Stanley Cavell, lendo Wittgenstein: "Um tamis-/ tenho dito- no/ poema; pouco/ importa o lustre/ que o nutre./ assim sem trincos/ contra o qual/ se teima um/ estrondo" ("Wittgenstein em Cassino"). Neste texto, clara a "intenção" de rompimento com as tradições existentes: pouco importa o lustre que o nutre, com ênfase no "pouco importa". O tamis, filtro, é, pelo poeta, removido por "um estrondo". "Estrondo" que, na peça "Victory Boogie-Woogie", é visto com desconfiança: "... A noite/ de trapos e ciclones/ -inábil para soprar o dia...". As peças de Lucio de Campos se assemelham a anotações: Leia-se: "Se possível for/ (...)/ ímpio torvo sol/-maior poente/ que em si mesmo/ (meio-espesso)/ silencia". Os silêncios que cifram, que tudo codificam no já existente e bloqueiam novas visões. Um dos bons momentos "sensíveis" é a parte quarta de "Marrakesh": "... Nesse caso, um sussurro/ de palavras quase ditas/ quase finas de tão claras". O "dito" se articulando cinicamente com o tênue, com o tamis, seda, filtro, preciosismo -em que se encontra a poesia atual. Sim, pois há o preciosismo/maneirismo/nostalgia do modernismo, concretismo, tropicalismo. Lucio de Campos não se empenha no acabamento dos poemas, embora tenham consistência. Volta-se para o traçado de um possível novo olhar, embora haja momentos fracos como: "Será mesmo urgente/ alcoolizar o verbo?/ sair da boca de cornija -/ (...)/ mascar Platão numa/ meia gargalhada" -puro kitsch, no qual o que se quer dizer se dilui em imagens esvaziadas. Há, por fim, poemas em prosa, que, igualmente, como os outros, fragmentários, intentam nova unidade verbal para a poesia, além do verso e do não-verso. Entre eles, destacaria "Pugatchev", de ironia não distante do mundo: "O que há de pior em Pugatchev é sua indefinição física. O nariz lembra um pé...". "À Maneira Negra" revela voz inquieta, que retoma, aí sim, a idéia de andar, caminhar.


Régis Bonvicino é poeta, autor de "Ossos de Borboleta" (Ed. 34) e "A Um" - poemas de Robert Creeley (Ateliê Editorial).


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