São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

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Daslu imperial

Estudo analisa o papel de ingleses e franceses na modernização dos costumes, da moda e da gastronomia no Rio do século 19

ISABEL LUSTOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem trabalha com periódicos sabe como é difícil abrir mão de tanta coisa importante que eles contêm para se deter apenas em um assunto.
Os periódicos são universalistas, no sentido de que tudo podem abrigar em suas páginas, desde atos do governo até resumos de tratados médicos, passando por receitas, versinhos, anedotas e cartas.
A historiadora luso-brasileira Maria Beatriz Nizza da Silva, que, desde 1977, com "Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro - 1808-1821" (Companhia Editora Nacional), vem publicando inúmeros trabalhos importantes, realizou um levantamento extensivo das matérias contidas na "Gazeta do Rio de Janeiro", único periódico que então circulava na corte.
Dividido em capítulos que informam sobre moradia, moda e vestuário, festas religiosas e cívicas, cerimônias fúnebres, estrangeiros, escravos, novidades médicas, ensino, artes e ciência, entre outros temas, este livro nos põe em contato com uma sociedade variada, rica e em rápida transformação. Transformação que foi fortemente marcada pela presença estrangeira.
Dos estrangeiros, foram os ingleses que predominaram na primeira fase, que vai da abertura dos portos (1808) à elevação do Brasil a reino (1815).

Móveis e decoração
Aos ingleses se deveu a diversificação da oferta de mobiliário doméstico, de instrumentos musicais e de transportes e acessórios para montaria. Graças a eles, também objetos de decoração foram introduzidos nas habitações da elite local e louças e vidros se tornaram comuns.
Um sucesso que devia animar as reuniões elegantes eram os relógios ingleses de pêndulo que tocavam uma sonata ou minueto diferente a cada hora.
Inicialmente, era dos portos ingleses que chegavam os produtos alimentícios europeus.
Mas quem revolucionou mesmo a cidade foram os franceses, que passaram a chegar ao Brasil em 1816, depois do reatamento das relações entre Portugal e França. Em 1818, Durand vendia acessórios masculinos e femininos como calçados, chapéus, luvas, suspensórios, leques, escovas, pentes, flores artificiais e bijuterias.
Os franceses também influíram nos hábitos e cuidados com a toalete, proporcionando uma série de serviços antes inexistentes na cidade.
Cabeleireiros franceses, como Richaud e Catelineau, competiam pelo mercado, oferecendo toda sorte de essências, perfumes, sabonetes, tinturas para cabelo e pomadas das melhores fábricas da França.

Roupa pronta
Alfaiates como Gudin ofereciam roupa pronta para vender. César Bouliech prometia fazer vestidos "à moda do mais moderno de Paris". Tornier, chapeleiro de Paris, oferecia na rua São José chapéus redondos e armados.
A presença dos estrangeiros difundiu o hábito de comer fora de casa. Os últimos a entrar nesse ramo de negócios foram os franceses, mas, já em 1819, funcionava no final da rua do Ouvidor a famosa casa de pasto do francês Pharoux.
As confeitarias, que eram principalmente de italianos, especializaram-se no fabrico de empadas. A procura por cozinheiros especializados aumentou consideravelmente e os melhores costumavam ganhar mais do que recebia um professor.
A autora chama a atenção para o papel que tiveram franceses e ingleses na modernização do ensino no Rio de Janeiro. A música permeava então a sociedade carioca, e professores de canto, piano e outros instrumentos anunciavam seus serviços.
Também passou a ser importante saber dançar, e os melhores mestres eram franceses, como Louis Lacombe, Auguste Toussaint e Luis Alberti. Este último era, ao mesmo tempo, mestre de fogos artificiais, profissão muito lucrativa numa cidade que era a sede da corte e onde tudo era motivo de festejos.
Para os historiadores especializados no período, este livro proporciona o reencontro com alguns velhos conhecidos.
Tomás Hipólito Taunay, José Alves Macamboa, Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, o padre G.P. Trilbury e o irmão de Hipólito da Costa, José Saturnino da Costa Pereira, são alguns dos nomes que aparecem anunciando seus préstimos.
Em 1813, o barão de Eschwege, mineralogista amigo de José Bonifácio, enviou notícias de Minas sobre a qualidade das águas minerais de Araxá.
Mesmo ano em que, no colégio de São Joaquim, Silvestre Pinheiro Ferreira realizava preleções filosóficas. Em 1809, dava aulas de francês no seminário São José o padre Renato Pedro Boiret, cuja companhia imposta pelo marido contribuiu para tornar mais infeliz o último ano de vida de d. Leopoldina.

ISABEL LUSTOSA é historiadora da Casa de Rui Barbosa (RJ), autora de "D. Pedro 1ø - Um Herói sem Nenhum Caráter" (Companhia das Letras)


A GAZETA DO RIO DE JANEIRO (1808-1822)
Autora:
Maria Beatriz Nizza da Silva
Editora: Uerj (tel. 0/xx/21/ 2587-7788)
Quanto: R$ 30



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