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O desenhista de idéias
Newton da Costa
especial para a Folha
Godfrey Harold Hardy (1877-1947) foi um matemático inglês
de grande projeção. Lecionou
nas universidades de Cambridge e Oxford, tendo contribuído muito
para a renovação e para o aperfeiçoamento do ensino da matemática na Inglaterra (e, indiretamente, em outros
países); seu livro de índole didática "A
Course of Pure Mathematics" (Um Curso de Matemática Pura, Cambridge University, Inglaterra, primeira edição em
1908) tornou-se célebre.
Hardy colaborou intensamente, a partir de 1912, com John Edensor Littlewood
(1885-1977) e, por algum tempo, com o
genial matemático hindu Srinivasa Ramanujan (1887-1920). Essas colaborações ficaram famosas não apenas pelos
resultados obtidos como também, no caso de Ramanujan, pela tragédia que envolveu a vida deste último. A obra matemática de Hardy versa, acima de tudo,
sobre a teoria dos números, embora trate, além disso, de temas tais como soma
de séries divergentes, "séries de Fourier"
e certos aspectos da "função zeta de Riemann" (Hardy demonstrou que ela tem
infinitos zeros de determinado tipo).
Artista criativo
O nome de Hardy
acha-se ligado à chamada lei de Hardy-Weinberg, referente à genética. Ela foi
descoberta simultaneamente, porém de
modo independente, por ele e pelo alemão Wilhelm Weinberg (1862-1937). A
lei concerne à maneira de propagação de
genes dominantes e recessivos em grandes populações, desde que certas condições sejam satisfeitas; constitui lei de relevância em genética de populações.
Na pequena obra em questão, intitulada, em inglês, "A Mathematician's Apology", terminada em 1940, Hardy procura justificar e defender, de seu ponto de
vista, a carreira matemática. O livro contém uma introdução de C.P. Snow (1905-1980), seu amigo, que é excelente, fornecendo retrato bem elaborado e claro da
vida de Hardy, em especial de sua psicologia. Quando o trabalho apareceu, Graham Greene afirmou que se tratava, de
fato, da exposição do que significava ser
um "artista criativo".
Hardy acreditava que a escolha da carreira matemática, ao contrário do que se
pode pensar, se fundamenta em três incentivos principais: curiosidade intelectual, orgulho profissional e ambição. Ele
duvida que se opte por uma profissão
pelo amor à humanidade ou por outras
razões exclusivamente altruísticas.
Sua tese básica é a de que o "matemático, como o pintor ou o
poeta, é um desenhista".
Todavia, enquanto os
pintores se voltam para as
formas e os poetas, para
as palavras, o matemático
desenha idéias". Daí a
obra deste ser mais duradoura.
O objetivo do matemático é provar teoremas, fazer avançar a
sua ciência. Mas o essencial é a prova de
teoremas não-triviais. As idéias matemáticas realmente importantes são as belas:
a beleza constitui a chave mestra do matemático. Em adição, a verdadeira matemática deve ser séria. A seriedade advém
da generalidade (amplitude) e da profundidade dos conceitos. Os resultados
significativos enquadram-se, sempre,
entre os belos e sérios.
Ciência desinteressada
Hardy
não acha essencial para o julgamento da
matemática suas possíveis aplicações,
pelo menos as aplicações
"práticas" (ele considera,
não obstante, cientistas
como Dirac, Einstein e
Eddington matemáticos
na verdadeira acepção da
palavra). As aplicações
que ele tem em mente não
passam, efetivamente, das
da matemática trivial, usuais e desinteressantes (como ocorre
com a balística). Então saca uma conclusão algo desconcertante: a boa matemática é inofensiva, por exemplo não tem
lugar na guerra. Se G.H. Hardy pudesse
ver o que hoje se faz em matemática aplicada, talvez mudasse de opinião. Porém,
para ele, o que tem valor é a matemática
pura: ele foi um dos matemáticos mais
puros que existiram.
O livro merece leitura de matemáticos,
cientistas, filósofos, pedagogos e leitores
médios. No fundo, trata-se de obra comovente, que nos faz refletir sobre a tragicomédia da vida humana, em particular pela introdução de Snow. Surpreendentemente, a tradução é muito boa, tendo-se em vista as dificuldades do estilo
de Hardy.
Em Defesa de um Matemático
142 págs., R$ 21,50
G.H. Hardy. Introdução de C.P.
Snow. Tradução de Luís Carlos
Borges. Ed. Martins Fontes (r.
Conselheiro Ramalho, 330/340,
CEP 01325-000, SP, tel. 0/xx/
11/239-3677).
Newton C.A. da Costa é professor no departamento de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e professor de
fundamentos da computação e lógica da Unip
(Universidade Paulista), autor, entre outros, de "O
Conhecimento Científico" (Discurso Editorial).
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