São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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MILLÔR

Quando o medo nos chega de todos os lados, como neste momento, estamos prontos pruma ditadura que nos dará alívio de ter medo de uma coisa só

1) Proporção
O aumento de corruptos na cadeia é proporcional ao aumento dos corruptos livres e felizes.

2) Desepero
Precisamos imediatamente de proteção especial para essa minoria completamente desamparada: homem, branco, classe média, heterossexual, gói, não ideológico e agnóstico. O ING, Indívíduo Não Generalizado. A suprema minoria. De um só. Em acelerado risco de extinção.

3) Revelação
Há duas semanas, disse aqui, de passagem, que Orson Welles era pai de Peter O`Toole. Claro, despertei razoável curiosidade. Por isso dou a fonte e detalhes dessa descoberta: Rosebud, de Davi Tomson (Knopf, 463 pgs). Última biografia de Welles. Falar em biografias, quem sabe escrever biografia são os anglo-saxões. Ao contrário de outras - no Brasil toda biografia é panegírica, temerosa de sensibilidades familiares e de retaliações por parte de amigos do biografado - a biografia anglo-saxã quer que a família se lasque e faz ataques (revelações) frontais aos biografados. Davi Tomson, fanático por Orson Wells, por exemplo, escreveu uma biografia que poderia facilmente ter sido escrito por um desafeto. Com uma técnica razoavelmente inovadora - fazendo inserções curiosas no meio do texto, como o diálogo abaixo, sobre a estadia de Welles em Dublim, Irlanda, onde Welles estreou com a mesma índole (e conseqüências) que conservou através da vida - mistura de fraude, truculência e gênio. Seduzindo (nem sempre sexualmente, mas também) homens e mulheres. O diálogo transcrito abaixo, fantasioso, é (parece ser) entre o autor e seu editor, e pretende fazer revelações que não fiquem sujeitas a processo:
"- Deus do céu, você tem que ir. Imagina o que pode descobrir.
- Mas pensa nos meses em que tenho que ficar lá - ás suas custas, caro senhor - pesquisando aquelas paisagens encharcadas e entrevistando velhinhos de sessenta anos, ansiosos por entrarem no papel de filho do amor extra-conjugal de Orson Welles.
- De qualquer maneira é uma chance de ouro que não se pode desprezar. Quer dizer, imagine uma bisneta - uma meninona de sete ou oito anos, cheia de magia e sedução, com cabelo vermelho e olhos chineses, como ele.
- Fico fascinando com essa possibilidade. E uma vez que você está também tão interessado, vou lhe dar uma informação preciosa - uma jóia.
- Diz.
- Quem você acha que nasceu exatamente ali, em Connemara, em agosto de 1932?
- Não faço a mínima.
- Imagine então - imagine! - o que seria um fruto do nosso Orson e alguma garota alta, fresca, maravilhosa, daquelas bandas.
-Existe?
-Peter Ó,Toole. O que é que você acha?
-Meu Deus! Isso é assombroso. Mas, pensando bem, ele é...
- Wellesiano? É isso?
-Você também acha?
-Dá pra perceber.
-Qualquer um percebe.
-Mas nunca poderíamos afirmar isso.
-Ah, não! Nunca! Nunca! Os advogados!
-Percebe então o perigo de ir mais fundo?"
Entenderam, caros leitores de MAIS? Peter O,Toole seria filho de Welles. As datas batem. Wells estreou em Dublim com 16 anos. E é 17 anos mais velho do que Ó,Toole.

4) Contrários
Mas, vendo por outro lado; quando, nesse final de eleição, os candidatos dizem horrores uns dos outros, temos um belo instante de revelação da sinceridade humana

5) Experts
Alguns cidadãos indignados, nesta época de loucos e-mails e internets desvairadas, mandaram até cartas e telefonemas fazendo a mesma pergunta (c)ética: "Como é que gente tão corrupta (referem-se a próceres do futebol participando da CPI que investiga o mesmo) podem julgar alguém por corrupção?"

6) Senescência ou: repara só!
Quando o político olha para um cargo mais alto o seu olhar começa a apodrecer.

7) Resquício
Quem é essa mulher com um jeito de quem foi tão bonita?



Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



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