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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO QUE AFIRMA SER HOMOSSEXUAL NOS EUA PROVOCA UMA ONDA DE TEORIAS QUE BUSCAM INVESTIGAR AS RAZÕES GENÉTICAS, AMBIENTAIS OU INDIVIDUAIS DO FENÔMENO

O FATOR gay

Gerard Burkhart - 15.ago.2000/France Presse
Mulheres se beijam durante comício de gays e lésbicas em Los Angeles


por Andrew Hacker

Às vezes parece que se dá tanta atenção às causas da homossexualidade quanto às causas de qualquer outro aspecto das variações humanas. Os heterossexuais são fascinados por essa minoria entre eles, e os homossexuais parecem igualmente curiosos sobre si mesmos. De fato, quase todo mundo se sente à vontade para lançar idéias sobre a homossexualidade, muitas das quais constam do minucioso estudo de Robert Alan Brookey, "Reinventing the Male Homosexual" [Reinventando o Homossexual Masculino, Indiana University Press, 167 págs., US$ 27,95".
Uma teoria propõe que a homossexualidade é "um comportamento altruísta, em que um dos irmãos se abstém da reprodução a fim de aumentar as probabilidades de sobrevivência da prole dos outros irmãos". Outra aventa que os homens que se identificam como gays "falharam na competição masculina por parceiras" e devem suportar "a frustração do coito heterossexual não realizado". Essas especulações, assim como tantas outras, se baseiam na premissa de que a heterossexualidade é a norma natural, com o corolário de que a homossexualidade é um desvio.
Mas nem todas as indagações ocorrem em poltronas. Em 1991 e 1993, os resultados de dois estudos de laboratório foram publicados na "Science", uma revista rigorosa e reputada. O primeiro se baseou em autópsias feitas em 19 homens gays, 16 homens não-gays e seis mulheres heterossexuais em sete hospitais de Nova York e da Califórnia. A dissecação de seus hipotálamos, na parte anterior do cérebro, descobriu que tanto nas mulheres quanto nos homens gays essas glândulas tinham menos da metade do tamanho das dos homens heterossexuais. "Essa descoberta sugere que a orientação sexual tem um substrato biológico", concluiu o autor.
O segundo estudo examinou 40 famílias que tinham dois irmãos gays. Ele descobriu que em 33 dos pares seus outros parentes gays -tios e primos- estavam principalmente no lado materno, indicando "uma correlação entre orientação homossexual e a herança de marcadores polimórficos no cromossomo X", que os homens gays recebem de suas mães. Desde então ocorre um debate sobre a existência de um "gene gay". Parte desse debate se concentrou no âmbito e na confiabilidade dos estudos empíricos, com alguns cientistas expressando dúvidas sobre seus métodos e suas hipóteses.

Ideologia
Depois a "Science" publicou os resultados de uma tentativa de rebater os estudos anteriores, registrando sua incapacidade de encontrar "um gene de amplo efeito influenciando a orientação sexual". Ainda assim, Brookey parece acreditar que o tempo trará essa descoberta, perspectiva que o preocupa. Ele está particularmente interessado nas conclusões de que o hipotálamo de homens gays tem tamanho semelhante ao das mulheres e de que o suposto marcador gay é transmitido pelas mães. Essas conclusões, ele acredita, promoverão não apenas "a crença de que os homossexuais masculinos são efeminados", mas que são "também fisicamente feminizados".
Como cabe numa democracia, membros do público se sentem à vontade para emitir opiniões, mesmo sem ter conhecimento de estudos científicos. Além disso, suas opiniões são solicitadas em enquetes e publicadas na mídia. Sobre esse assunto, assim como outros, a ideologia tem grande influência. Respostas a uma pesquisa realizada pelo instituto Gallup mostram que, enquanto dois terços dos democratas adotam a visão inata, a maioria dos republicanos se concentra no lado ambiental. Essa última tendência parece brotar de um desejo conservador de que a homossexualidade não existisse, acompanhado da crença de que é possível eliminá-la. Daí a opinião dos conservadores de que se identificar como gay é uma opção feita livremente ou o resultado de fatos e influências na criação da pessoa que poderiam ou deveriam ter sido evitados.
O "gene gay" também aparece na política. Brookey cita a controvérsia sobre uma emenda à Constituição do Colorado em 1992, que foi aprovada por grande maioria. Referindo-se à "orientação, conduta, práticas ou relacionamentos de homossexuais, lésbicas ou bissexuais", ela diz que nada disso poderia dar a qualquer pessoa ou classe de pessoas o direito a ter ou a reivindicar status de minoria, cotas preferenciais, situação protegida ou alegações de discriminação. Os defensores da emenda disseram que os Estados têm o direito de desaprovar ou mesmo proibir certas propensões e práticas. Um caso frequentemente citado foi a poligamia, proibida por diversas Constituições estaduais.
Dean Hamer, o biólogo que dirigiu o estudo sobre o hipotálamo, depôs como testemunha perita quando a emenda foi contestada na Justiça. Não é de surpreender que ele tenha citado sua pesquisa para argumentar que ser gay não é uma preferência, como a poligamia, mas um elemento inato na formação de uma pessoa. Afinal a Suprema Corte evitou a questão genética derrubando a emenda. O juiz Anthony Kennedy, ao redigir a decisão tomada por sete votos a dois, disse: "Ela identifica pessoas por uma única característica... tornando-as desiguais a todas as outras". Ou, como Brookey acrescenta: "Ela negava aos homossexuais os mesmos recursos jurídicos e o acesso à participação política disponíveis a todos os outros cidadãos".


A maior mudança é entre os jovens que chegam à idade sexual, dentre os quais um número muito maior se sente capaz de admitir que é gay para si e para o mundo


Um corolário é que, se os Estados pretendem banir certas práticas sexuais, como é o caso das leis contra sodomia, a proibição deve se aplicar a todos os pares de participantes. Embora, na pesquisa, a diferença entre homens e mulheres em geral não seja tão grande quanto a divisão entre republicanos e democratas, isso ainda pede um comentário (a porcentagem de homens que preferem uma explicação baseada na criação ou no ambiente provavelmente seria maior se os homens gays tivessem sido excluídos da contagem). Então por que os homens, especialmente os que se consideram heterossexuais, preferem ver a homossexualidade como uma decorrência de opção ou de elementos ambientais?

Opção tranquilizadora
Podemos inverter a pergunta e indagar por que a maioria dos homens rejeita a explicação genética. Eles poderiam pensar que, se ser gay for uma questão inata, seria possível que eles mesmos tivessem o gene homossexual. Mesmo que o gene esteja atualmente dormente, poderia vir à superfície a qualquer momento, como parece acontecer ocasionalmente com homens casados. Diante dessas possibilidades, os homens heterossexuais acham tranquilizador votar pela opção ou as circunstâncias. Isso lhes permite acreditar que é uma opção que jamais fariam e que eles superaram as influências que tornam outras pessoas gays. Em seu ensaio "Born Gay?" [Nascido Gay?, em "The World Turned], Duke University Press, 264 págs., US$ 18,95", John d'Emilio diz que realmente não se importa se já nasceu gay. Então cita vários motivos pelos quais sente que é melhor não levar essa questão adiante. Começa descrevendo mudanças de terminologia, de "preferência sexual", com sua inferência de opção, para uma mais definida "orientação sexual". Mas mesmo isso denota uma direção em que alguém teria mudado sua atitude, deixando em aberto o que induziu a jornada. Daí a recente mudança para "identidade sexual", que elimina ambiguidades, já que "vai ao próprio cerne de quem a pessoa é". Embora não despreze a força dos conservadores, D'Emilio também se preocupa com a "facilidade com que muitos americanos liberais adotaram a abordagem "nascido gay'". Ele acredita que a possibilidade de dizer que ser gay é genético lhes permite "afastar seus melindres pessoais sobre o que nós fazemos". Ele também não poupa as opiniões dentro da comunidade gay. Em sua avaliação, a premissa de que as pessoas poderiam nascer gays "nos permite evitar nossa própria homofobia interiorizada". Ele argumenta de modo plausível que a explicação genética torna fácil demais afastar "a sensação incômoda -e inarticulada- de que, se tivéssemos a opção, poderíamos decidir de outro modo". Mas não fica claro por que ele enquadra a questão como resultante do ódio a si próprio. Meditar sobre levar uma vida diferente não precisa implicar inimizade pela que se tem. Se os gays e lésbicas formam uma parte relativamente pequena da população dos Estados Unidos -minha estimativa pessoal seria de cerca de 6% de todos os homens e entre 2% e 3% das mulheres-, eles têm muitas ligações com os outros. Além de seus pais, a maioria tem irmãos heterossexuais. Um número considerável já foi casado e tem filhos, enquanto outros estão concebendo ou adotando crianças. Em outro ensaio, "Laying Claim to Family" [Reivindicando uma Família], D'Emilio diz esperar "a aceitação de famílias lésbicas e gays como parte integral da sociedade americana". Ele chama isso de "busca pelo reconhecimento familiar", que incluiria o casamento homossexual, direitos plenos à adoção e à custódia de crianças, juntamente com a concessão de legitimidade social e jurídica a diversos arranjos domésticos.

Cinema e TV
Uma preocupação relacionada -entre os que manifestam preocupação- tem sido o crescimento do que poderia ser chamado de presença gay nos Estados Unidos e em outros lugares. Uma parceria gay é básica na trama da série "Will e Grace", assim como personagens gays são recorrentes em programas de TV e em filmes. Portanto levanta-se a questão de se o número de gays e lésbicas está realmente crescendo em relação à população total. Segundo todos os indicadores externos, hoje é maior que nunca o número de americanos dispostos a dizer que são gays ou lésbicas ou que permitem que outros façam essa inferência. A maior mudança em relação ao passado é entre os jovens que chegam à idade sexual, dentre os quais um número muito maior se sente capaz de admitir que é gay para si mesmo e para o mundo. Se a população gay parece estar crescendo, a explicação mais fácil é que mais pessoas estão "se assumindo". Veja-se por exemplo os números do Censo 2000 [dos EUA] para homens entre 40 e 44 anos que estavam chegando à idade adulta numa época em que se revelar gay estava se tornando aceitável. A proporção de homens dessa idade que não tinha se casado até 2000 mais que duplicou desde 1970, passando de 7,5% para 15,8%. Esse último número é notável, mesmo levando-se em conta que hoje as pessoas se casam mais velhas. É claro que muitos desses solteiros se identificam como heterossexuais. Ainda assim, a maioria dos homens heterossexuais se casaram pelo menos uma vez antes de chegar aos 40, e nossas tabulações mais recentes mostram que menos de 2% dos homens que se casam pela primeira vez têm mais de 40 anos. Mas os homens que ficam solteiros representam apenas uma parte da imagem. Entre os homens de 40 a 44 anos a proporção que se divorciou e não voltou a casar saltou de 3,8% em 1970 para 13,2% em 2000, um aumento de três vezes. Acontece que os homens heterossexuais divorciados quase sempre se casam novamente, em geral num curto prazo, muitas vezes porque se sentem perdidos sem um ninho doméstico. Isso parece ser especialmente verdade entre aqueles que se divorciam na faixa dos 40 anos, quando talvez seja um pouco tarde para adquirir domínio das artes domésticas. Mas o crescimento do grupo divorciado que não voltou a se casar sugere que hoje ele contém um número de homens homossexuais que já foram casados e não voltarão a ser (ou não poderão até que muitas leis sejam modificadas). Em 1970, a maioria dos homens homossexuais que tinham se casado continuaram casados, já que "se assumir" era muito mais perigoso que hoje. Então por que 15,8% de todos os homens de 40 e poucos anos preferiram não se casar, e que dizer dos outros 13,2% que se divorciaram e não voltaram a casar? Juntos eles representam quase um em cada três homens nessa idade, a maior proporção desse tipo na história do país. Em 1970, em contraste, os homens solteiros e os divorciados que não voltaram a se casar formavam apenas 11,3% dos homens na mesma faixa etária. A explicação mais plausível para a maior parte desse aumento acentuado é que mais homens estão descobrindo que são gays, seja na juventude ou depois de passar anos fingindo que são heterossexuais. Isso significaria que a homossexualidade masculina é mais comum que antes, e não que apenas mais homens estão se assumindo? Essa pergunta não pode ser facilmente respondida, já que é impossível fazer contagens no passado. O que é claro é que mais homens estão admitindo inclinações homossexuais, embora não o suficiente para afetar o crescimento da população em curto prazo. A próxima geração virá de pais heterossexuais, como sempre. Um dia a população gay poderá se reproduzir doando esperma para mulheres amigas.

Novo gênero
Em "Normal" [ed. Random House, 140 págs., US$ 23,95], Amy Bloom, uma psicóloga que lecionou na Escola de Medicina de Yale, leva a questão da identidade sexual vários passos à frente. Os três grupos que ela considera são bastante reduzidos, o que poderia levá-los a ser considerados anômalos. São transexuais que se submeteram a cirurgia para adotar um novo gênero; homens heterossexuais que gostam de usar roupas femininas; e adultos que nasceram com órgãos genitais ambíguos, mas hoje se identificam com um gênero. Bloom discute várias dezenas de homens e mulheres, e o mais surpreendente é como todos parecem "normais", o que, é claro, deu origem ao título (um homem mostra sua coleção de perucas femininas; mas ele é mais bizarro que seu vizinho que se orgulha das armas que possui?).
Na população adulta, estima Bloom, cerca de uma em cada 50 mil pessoas é um transexual que se submeteu a cirurgia; destes, 80% são homens que querem se tornar mulheres. Christine Jorgensen, Renee Richards e Jan Morris foram exemplos famosos. No entanto "Normal" se concentra no grupo menor de mulheres que se tornaram homens, cuja transição foi mais complexa anatomicamente (esse capítulo talvez contenha mais do que você queira saber sobre "faloplastia" e "metoidioplastia"). A maioria dos novos homens de que ela fala vive hoje com mulheres, que obviamente sabem de seu passado. Muitas das mulheres que viraram homens haviam sido lésbicas e descobriram que seus antigos círculos as rejeitaram em sua nova encarnação. Por outro lado, uma mulher fez a transformação para se tornar um homossexual masculino. Perguntaram-lhe por que não continuou sendo mulher, já que poderia igualmente dormir com homens. Ele responde que isso não vai ao ponto principal: sua identidade básica é homem gay, e não mulher heterossexual. Todos os transexuais sentiam que seus corpos físicos não estavam de acordo com seus temperamentos. Afinal, nem todas as constituições vêm ao mundo harmoniosas ou completas. Muitas crianças hoje sobrevivem e crescem sob um regime de medicamentos. Bloom sente que os adultos buscam a salvação na cirurgia não para desafiar a natureza, mas para atenuar os descuidos da natureza.

O sexo dos anjos
O grupo seguinte consiste em homens heterossexuais que sentem atração por usar roupas femininas. Eles devem ser distinguidos das "drag queens". A maioria dos homens heterossexuais que se traveste o faz furtivamente, resumindo-se à roupa íntima ou a experimentar os vestidos de suas mulheres quando elas não estão em casa. Muitas vezes as mulheres não sabem disso ou preferem não revelar suas suspeitas (Bloom estima que mais de 5% de todos os homens experimentam roupas femininas, mas afirma que não há como verificar esse número). No entanto os homens citados em "Normal" se travestem abertamente. Ou pelo menos o fazem quando participam de cruzeiros e de convenções, para os quais levam vestidos, sapatos de salto e maquiagem e podem viver suas personalidades indumentárias. Depois de um em cada 2.000 nascimentos, aproximadamente, os pais ouvem o médico dizer algo como "De alguma maneira os órgãos genitais de seu bebê não se desenvolveram totalmente, por isso não sabemos exatamente qual é o sexo" (hoje em dia muitos pais conseguem descobrir isso antes do nascimento). Aqui também os médicos estão prontos para entrar em cena. Mas primeiro vêm os testes hormonais para ver para que gênero a criança tende, mesmo que apenas ligeiramente. Mas a prática corrente entre os médicos é declarar a maioria das crianças hermafroditas meninas, já que, nas palavras de um especialista, é "mais fácil fazer um buraco que construir uma coluna". Eles também alegam que, se a criança for tratada como menina, acabará se tornando uma. Diferentemente dos transexuais e travestis, cuja maioria toma suas decisões já adultos, Bloom não conseguiu encontrar ou entrevistar pessoas que nasceram como crianças "intersexo", modo pelo qual hoje são chamadas. Bloom localizou um homem que sempre teve um pênis muito pequeno, mas cujos pais resistiram quando os médicos aconselharam que fosse removido. Ele diz que será "grato pelo resto da vida" por isso, já que ele e sua mulher têm relações sexuais altamente satisfatórias. "Reinventando o Homossexual Masculino" quase nada diz sobre mulheres, o que não deve ser considerado uma crítica, já que o tema escolhido por Brookey são os homens. Mas vale notar que tem havido muito poucas referências a um "gene lésbico". Sabemos que um número relativamente menor de mulheres -entre um terço e metade- se consideram lésbicas, comparadas com homens que se identificam como gays. O motivo principal disso é que as mulheres que têm experiências íntimas com parceiras do próprio sexo são menos capazes de se redefinir. Elas podem passar para os homens ou voltar a eles sem considerar que isso afete sua identidade sexual básica. Não é tanto que as mulheres sejam mais "bissexuais", mas que elas são mais fluidas e flexíveis em relação ao amor, à atração e suas expressões físicas. O que se pode acrescentar é que os homens, sejam homossexuais ou heterossexuais, tendem a ser mais "monossexuais". Não apenas eles se incomodam com ambiguidades sobre sua identidade sexual como homens de ambos os grupos insistem firmemente que não há probabilidade de mudar o que são hoje. Os ensaios de Martin Duberman em "Left Out" [Deixados de Fora, South End Press, 504 págs., US$ 22" cobrem um amplo espectro, incluindo discussões sobre Cuba e Vietnã, política racial e acadêmica, ao lado de artigos sobre Paul Robeson, William Styron e Anita Bryant. No entanto sua ênfase é para a vida gay, e contém alusões recorrentes ao que ele chama de "a venerável sugestão de Freud de que todos os seres humanos são potencialmente receptivos à estimulação bissexual". Freud disse que todos nós somos sexualmente polimorfos ou somos inerentemente assim. E ele certamente sabia o que estava fazendo quando usou o radical "poli" em vez de "bi". As variedades de comportamento sexual humano beiram o infinito, incluindo relações a três e a quatro, o pendor para a brutalidade e a ser amarrado, em público ou por aquisição, para não falar no fascínio por crianças, que envolve tantos adultos que mantém a sociedade inteira em sobressalto.


Muitas das mulheres que viraram homens haviam sido lésbicas e descobriram que seus antigos círculos as rejeitaram em sua nova encarnação


Passado heterossexual
Mais importante do que como as pessoas se chamam é o que elas fazem ou fizeram. O estudo recente mais confiável, que se concentrou na Universidade de Chicago e foi patrocinado por sete fundações, descobriu que a maioria das lésbicas e muitos homens gays haviam praticado sexo heterossexual no passado. Mas, se isso significa um histórico bissexual, eles não são os únicos com essa experiência. Sabemos que a experimentação com o mesmo sexo é muito comum na adolescência.
No entanto esses episódios são geralmente juvenis e experimentais demais para serem registrados como homossexuais ou bissexuais. Por isso o estudo de Chicago foi além e descobriu que, entre os adultos que atualmente se consideravam homossexuais, quase a metade das mulheres em comparação com os homens disse que havia tido uma ou mais relações com o mesmo sexo depois dos 18 anos. Enquanto os números reais podem ser maiores, os que temos sugerem a incidência de comportamento bissexual.
Falando de modo geral, a bissexualidade tende a ter duas expressões. A primeira é encontrada principalmente em mulheres que já tiveram parceiros homens e mulheres. Anne Heche e Sinead O'Connor foram exemplos recentes; anteriormente, Marlene Dietrich, Greta Garbo e Virginia Woolf são lembradas, cada uma à sua maneira muito diferente (esse é um tema do romance "The Last Resort", de Alison Lurie). Começando mais jovens, algumas mulheres estudantes hoje falam em "ser gay até a formatura", o que significa que agora estão apaixonadas por uma amiga, mas estão abertas para outras opções mais tarde.
Com os homens, um padrão mais comum envolve um marido que percebe que é gay ou já suspeitava antes, mas se casou de qualquer modo. Antigamente, a maioria desses homens continuava com suas mulheres, e muitos ainda o fazem. No entanto de vez em quando eles procuram um encontro com homens, às vezes em bares gays. Mas a verdade é que a maioria desses maridos sabem que são gays e muitos acham que o sexo com as mulheres não expressa sua identidade fundamental. Assim poderia ser um engano chamar esses homens de bissexuais (uma questão muito diferente é quantas mulheres sabem o que está acontecendo, mas preferem se calar).
Existe a possibilidade de que todos nós não sejamos inatamente nem heterossexuais nem homossexuais; também podemos não ser inatamente bissexuais ou ambissexuais. Sobretudo somos capazes de sentir atração por um grande espectro de nossos semelhantes; o fato de eles possuírem cromossomos XX e XY talvez não determine as preferências sexuais. Talvez seja um triunfo de nossa espécie que não exista um fator determinante para a criatividade da fantasia sexual e as permutas do prazer sexual. Boa parte do que estou sugerindo foi resumido por um convidado -de gênero não especificado- de um casamento que fez o seguinte comentário sobre os noivos: "Eles são um casal encantador. Já dormi com os dois".

Onde encomendar
Livros em inglês podem ser encomendados, em São Paulo, na Fnac (tel. 0/ xx/11/ 3097-0022) e, no Rio de Janeiro, na livraria Leonardo da Vinci (tel. 0/xx/21/ 533-2237).

Andrew Hacker é professor de ciência política no Queens College da Universidade da Cidade de Nova York (EUA). Acaba de publicar "Mismatch" (ed. Scribner). A íntegra deste texto foi publicada no "New York Review of Books".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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