|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cabeças em risco
Coleção sobre pensadores brasileiros atuais tem início com obras sobre
Boris Fausto, Evaldo Cabral e Silviano Santiago
FRANCISCO ALAMBERT
ESPECIAL PARA A FOLHA
Parece existir uma onda revisionista da crítica intelectual brasileira recente, justamente quando, para
muitos, a base de suas especificidades (a cultura pré-1964) está morta. É um sinal de alento,
depois que um dos próceres intelectuais mais marcantes da
geração, Fernando Henrique
Cardoso, na qualidade de presidente da República, teria sentenciado o famoso "esqueçam o
que escrevi".
Cada vez mais estão sendo
publicados livros sobre quem
faz e pensa em livros. E o melhor: sobre autores vivos.
Daí a importância da série
inaugurada pelas editoras
UFMG e Perseu Abramo, "Coleção Intelectuais do Brasil",
que começa com três volumes
(que trazem sempre ao final
uma longa entrevista com os
intelectuais analisados) justamente dedicados a Evaldo Cabral de Mello, Boris Fausto
[historiadores] e Silviano Santiago [crítico].
Juntem-se a esses os lançamentos recentes de livros sobre a obra de Fernando Novais
("Aproximações", Cosac Naify)
e Roberto Schwarz ("Um Crítico na Periferia do Capitalismo", Companhia das Letras) e
teremos muito que pensar. Sobretudo porque -muitos repetem isso como um mantra paralisante- escrever sobre os vivos é perigoso.
Dos três livros, aquele organizado por Lilia Schwarcz, sobre Evaldo Cabral de Mello, me
parece o mais robusto intelectualmente. O texto de Stuart
Schwartz, que abre o volume
(após uma precisa introdução
da organizadora), é um ótimo
panorama da obra do historiador pernambucano, vista "de
fora" (por um norte-americano) e "de dentro" (pois apresenta os aspectos principais da
obra analisada).
O de Luiz Felipe de Alencastro, talvez o mais aprofundado
de todas as coletâneas resenhadas aqui, traz o diálogo de um
discípulo peculiar, capaz de
analisar com rigor e graça o estilo narrativo e as idéias do
mestre, sem se furtar a fazer
reparos críticos e a propor
questões.
Também os outros textos,
assinados por Júnia Ferreira
Furtado, Pedro Puntoni e pela
organizadora, tratam de um
historiador inclassificável, moderno e conservador ao mesmo
tempo, diante do qual reinava
até agora um quase-silêncio
respeitoso, motivado talvez pela dificuldade em abordar o
"enigma Evaldo" -que, como
diz Puntoni, nos ensina não
apenas a manipular a história,
mas a habitá-la.
Disposição
Ângela de Castro Gomes, organizadora do volume dedicado a Boris Fausto, explicita logo
na introdução o fascínio e a dificuldade da proposta da coleção. Ela nota, com perspicácia
auto-reflexiva, que a "proposta
é arriscada", pois "tratar da
obra de intelectuais vivíssimos,
sob encomenda, não resvalando em escrita apenas elogiosa e
meio vazia, é coisa que exige
disposição, quer de quem escreve, quer do próprio sujeito
sobre quem se escreve".
Os textos do volume, assinados por Sílvia Regina F. Petersen, Sérgio Adorno e Keila
Grinberg, dão conta da tarefa.
Eu destacaria o texto de Adorno, que explica um dos aspectos
mais originais da obra de Fausto, o trabalho pioneiro sobre a
criminalidade em São Paulo.
Além disso, a entrevista que
fecha o volume é muito simpática e agradável.
Os textos do livro sobre Silviano Santiago compõem um
divertido compêndio ou dicionário de bolso de toda a parafernália sintática pós-moderna
na sua vertente lítero-filosófica
(que se tornou a linguagem do
poder contemporâneo nas universidades norte-americanas):
uma festa de "hibridismos",
"homographesis", "imbricação", "indecidível", "dicotomias ordenadoras", "anestética", "transmigração" etc.
Parte disso pode ser do gosto
e da vertente do homenageado,
mas falta aos textos dos comentadores (com a exceção do esclarecedor ensaio de Wander
Melo Miranda sobre a obra ficcional de Santiago) a graça do
jeito de prosa "mineira", da
simpática desconversa, que
acompanha seus textos de toda
ordem, desde os ensaios mais
profundos (não raramente
também pouco acabados e dispersivos) à mais pretensiosa
narrativa.
O texto de apresentação, da
organizadora Eneida Leal Cunha, contrasta violentamente
com os outros dois. Enquanto
estes são diretos, dialogam com
o leitor, se justificam e se autoproblematizam, o dela é uma
hagiografia bastante obscura,
dirigida a devotos. Curiosamente, o ensaio da organizadora fala muito em diálogo com o
mundo e suas infinitas e "híbridas" "imbricações", em uma
linguagem pedante e absolutamente ortodoxa.
O ensaio da crítica argentina
Florencia Garramuño procura
mostrar que Silviano seria o guru do pós-modernismo na
América Latina -ou, na linguagem evasiva da organizadora, o
responsável por uma "ação tutorial".
No geral, são, a meu ver, livros excelentes, de uma coleção que promete marcar época
no estudo da intelectualidade
brasileira, suas filiações e conseqüências.
FRANCISCO ALAMBERT é professor de história
social da arte e história contemporânea na USP.
LEITURAS CRÍTICAS SOBRE
EVALDO CABRAL DE MELLO
Organização: Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Fundação Perseu Abramo/
UFMG (0/xx/31/ 3409-4657)
Quanto: R$ 36 (208 págs.)
LEITURAS CRÍTICAS SOBRE
BORIS FAUSTO
Organização: Ângela de Castro
Gomes
Editora: Fundação Perseu Abramo/
UFMG
Quanto: R$ 38 (236 págs.)
LEITURAS CRÍTICAS SOBRE
SILVIANO SANTIAGO
Organização: Eneida Leal Cunha
Editora: Fundação Perseu Abramo/
UFMG
Quanto: R$ 38 (240 págs.)
Texto Anterior: + Sociedade: A velha senhora Próximo Texto: + Lançamentos Índice
|