São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIÁLOGOS IMPERTINENTES
Rose Marie Muraro e Vicentinho debatem o preconceito no Brasil
O mundo dos branquinhos

SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada

Quem sofre mais preconceito no Brasil? A mulher? O negro? O nordestino? Para Rose Marie e Vicentinho, os três de maneira igual. E mais: o homossexual. O pobre. O sindicalista. A idosa. O deficiente.
Este foi o tema do penúltimo encontro da série "Diálogos Impertinentes", promovida pela Folha, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Sesc.
No Sesc Pompéia, em São Paulo, o encontro teve a participação da escritora Rose Marie Muraro, editora da Rosa dos Tempos, e do sindicalista Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
No começo da conversa, que foi mediada por Mário Sérgio Cortella, professor do departamento de teologia e ciências da religião da PUC-SP, e por este jornalista, Vicentinho evocou o criticado politicamente correto.
"Quando você diz que "a coisa está preta", "fulano mijou para trás" ou "não fique judiando", ou ainda "sicrano deu mancada", ofende, sem que eles fizessem nada a você, os negros, as mulheres, os judeus e os deficientes físicos. E quem aqui nunca falou uma coisa assim?", provocou o sindicalista.
"Sou cega, sei bem o que ele diz quando se refere aos deficientes físicos", concordou Rose Marie.
A escritora, autora de dez livros (entre eles "Seis Meses em que Fui Homem"), e Vicentinho, que cursa direito na Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban-SP), não chegaram ao debate de mãos abanando.
Ambos foram armados de números, pesquisas e tratados. "De 1972 a 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou cerca de 8.000 pessoas; dessas, 51% eram negras, sendo que, segundo o IBGE, o negro representa 25% da população paulista", disse Vicentinho.
"Você sabe que 1% da população brasileira tem 30% da riqueza do país? E que 348 pessoas no mundo são donas de metade do PIB mundial, ou seja, US$ 14,5 trilhões?", fez as contas Rose Marie.
Vicentinho disse que há uma antena que não descansa nos que podem ser alvo de preconceito. E lembrou de um caso curioso: há algum tempo, esteve no Vaticano representando as centrais sindicais brasileiras num encontro que discutiria o neoliberalismo.
A certa altura, o padre-anfitrião levou-o a conhecer a Capela Sistina. "Uma coisa belíssima, emocionante", lembrou.
"Ensinaram que foi em tal lugar que o Michelangelo ficou bravo e foi embora e que o Papa mandou buscá-lo, que em outro não podia tirar foto porque estragava", foi contando o sindicalista.
"De repente, olho para o céu, todo mundo nu, Deus de caderno na mão, decidindo quem fica e quem cai. Olho para o inferno... Não é que era tudo escurinho? E os do céu, todos branquinhos."
Branquinhos!


Texto Anterior: Livros - Régis Bonvicino: Paradigma esmagador
Próximo Texto: Ponto de fuga - Jorge Coli: Além do inferno
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.