São Paulo, domingo, 30 de julho de 2000


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O historiador discute como a fofoca, as canções populares e os folhetins movimentavam as notícias na França do século 18
Rede de intrigas

Reprodução
"A Liberdade de Imprensa", gravura francesa do século 18 (anônima)


Entre as muitas profecias ligadas ao século que está para começar, ouvimos muita coisa que diz respeito à era da informação. As mídias ocupam espaço tão grande em nossa visão do futuro que corremos o risco de não reconhecer a importância que tiveram no passado, de modo que o presente pode ser percebido como uma época de transição, em que os modos de comunicação tomam o lugar dos modos de produção como força motriz da história. Eu gostaria de contestar esse ponto de vista, argumentando que cada era foi, à sua própria maneira, uma era da informação, e que os sistemas de comunicações sempre moldaram os acontecimentos.
Esse argumento pode soar como nada mais do que bom senso, mas, se for levado suficientemente adiante, pode descortinar uma nova perspectiva sobre o passado. Eu começaria por uma pergunta simples: o que são notícias? A maioria de nós responderia que notícias são aquilo que lemos nos jornais e ouvimos ou assistimos na televisão ou no rádio. Entretanto, se pensarmos um pouco mais, provavelmente concordaremos em que as notícias não são o que aconteceu -ontem ou na semana passada-, mas sim relatos sobre o que aconteceu. São uma espécie de narrativa que é transmitida por meios de comunicação especiais. Essa linha de raciocínio em pouco tempo conduz à confusão com a teoria literária e a World Wide Web. Mas, se for projetada retroativamente, pode ajudar a desenredar alguns problemas bastante complexos do passado.
Proponho que se encare o problema de como as sociedades compreenderam os acontecimentos e transmitiram informações a respeito deles, algo que poderia ser chamado de "a história da comunicação". Em princípio, esse tipo de história poderia ser aplicado a qualquer tempo e qualquer lugar; na prática, precisa ser empreendido em estudos de caso.
Assim, dirijo a questão para meu próprio campo de estudos e indago: como se descobria quais eram as notícias na Paris de mais ou menos 1750? Não pela leitura de jornais, eu diria, já que jornais contendo notícias -notícias no sentido em que as entendemos hoje, relativas a assuntos de interesse público e personalidades públicas- não existiam. O governo não os permitia. Para descobrir o que realmente estava acontecendo, as pessoas iam à Árvore de Cracóvia. Esta era um castanheiro alto e frondoso que ficava no centro de Paris, nos jardins do Palais Royal. A árvore provavelmente ganhou seu nome devido às discussões acaloradas que tiveram lugar à sua volta durante a guerra da sucessão polonesa (1733-1735), embora o nome também sugerisse a propagação de boatos ("craquer", relatar histórias de veracidade dúbia). Como um ímã poderoso, a árvore atraía os "nouvellistes de bouche", ou transmissores orais de notícias, que espalhavam informações boca-a-boca sobre os acontecimentos mais recentes. Esses "nouvellistes" afirmavam saber, de fontes privadas (uma carta, um criado indiscreto, uma observação entreouvida numa antecâmara de Versalhes), o que realmente estava acontecendo nos corredores do poder -e as pessoas que ocupavam o poder os levavam a sério, porque o governo se preocupava com o que os parisienses diziam. Consta que diplomatas estrangeiros enviavam agentes para buscar notícias ou plantar notícias ao pé da Árvore de Cracóvia. Havia vários outros centros nervosos desde os quais se podia transmitir "ruídos públicos" ("bruits publics"), como era conhecida essa variedade de notícias: bancos específicos nas Tuilleries e nos Jardins de Luxemburgo, esquinas informais em que oradores improvisados discursavam no Quai des Augustins e na Pont Neuf, cafés conhecidos pela língua solta de seus frequentadores e trechos de bulevares em que boletins noticiosos eram apresentados aos brados pelos vendedores ambulantes de "canards" (pasquins em tom jocoso) ou cantados, ao som de melodias populares, por tocadores de realejo. Para acompanhar as notícias, bastava ficar na rua e abrir os ouvidos.

Peneira de barulho
Mas boatos comuns não satisfaziam os parisienses dotados de apetite voraz por informações. Eles precisavam peneirar o barulho público para descobrir o que realmente estava acontecendo. Às vezes eles juntavam suas informações e as criticavam coletivamente, reunindo-se em grupos, como o famoso salão de madame M.-A.L. Doublet, conhecido como "a paróquia". Vinte e nove "paroquianos", muitos deles dotados de boas conexões com o Parlamento de Paris ou com a corte, e todos sedentos de notícias, reuniam-se regularmente no apartamento de madame Doublet no Enclos des Filles Saint-Thomas. Quando entravam no salão, encontravam dois livros de registro numa mesa próxima à porta.
Um deles continha notícias dadas como dignas de crédito, e o outro, fofocas. Juntos, os dois compunham o cardápio da discussão do dia, que era preparado por um dos criados de madame Doublet, homem que pode ser visto como o primeiro "repórter" da história francesa. Não conhecemos seu nome, mas uma descrição dele sobrevive nos arquivos da polícia. Ele era "alto e gordo, com rosto cheio, peruca redonda e uniforme marrom. Todos os dias ele anda de casa em casa perguntando, em nome de sua patroa, "quais são as novidades?'". O criado anotava a primeira versão das notícias nos registros do dia; os "paroquianos" as liam, acrescentando quaisquer informações que porventura tivessem obtido e, após discussão e aprovação geral, os relatos eram copiados e enviados a amigos seletos de madame Doublet.
Uma dessas amigas, madame D'Argental, tinha um lacaio de nome Gillet que organizava outro serviço de cópias. Quando começou a ganhar dinheiro com a venda das cópias, alguns dos copistas empregados por Gillet abriram seus estabelecimentos próprios, e esses estabelecimentos, por sua vez, deram lugar a outros, de tal modo que, em 1750, grande número de edições dos boletins noticiosos de madame Doublet já percorriam Paris e as Províncias. As operações de cópia -que continuaram a ser um meio eficiente de difusão, muito depois de Gutemberg e muito antes da Xerox- se transformaram numa pequena indústria, um serviço de notícias que fornecia a seus assinantes gazetas manuscritas, ou "nouvelles à la main". Em 1777, alguns editores começaram a imprimir essas "nouvelles", e elas circularam sob o título de "Memórias Secretas para Servir à História da República das Letras na França", um best seller na indústria de livros "underground".
Esses exemplos mostram que as notícias ("nouvelles") circularam por diferentes mídias e em diferentes modos -oral, manuscrito e impresso. Além disso, em cada um desses casos elas permaneceram fora do âmbito da lei. Assim, devemos também analisar as restrições políticas impostas às notícias.
Esse é um tema rico e complicado, porque as pesquisas dos últimos 20 anos transformaram a história dos primórdios do jornalismo moderno. Simplificando radicalmente, eu insistiria, entretanto, em um ponto básico: no Antigo Regime francês, a circulação de informações sobre o funcionamento interno do sistema de poder não era autorizada. A política era vista como algo que dizia respeito ao rei, "le secret du roi" (o segredo do rei) -uma idéia derivada da visão corrente no final da Idade Média e no Renascimento, que via a estadística como "arcana imperii", uma arte secreta restrita aos soberanos e seus assessores.
É claro que algumas informações chegavam ao público por meio das gazetas, mas essas informações, supostamente, não deveriam tratar do funcionamento interno da política -nem sequer da política-, exceto sob a forma de pronunciamentos oficiais sobre temas tais como guerra e paz. Todos os materiais impressos precisavam ser aprovados, passando por uma burocracia barroca que incluía quase 200 censores, e as decisões dos censores eram implementadas por uma divisão especial da polícia, a dos inspetores da indústria de livros. Os inspetores não apenas reprimiam as heresias e a sedição -também protegiam privilégios. Os periódicos oficiais -entre eles, mais notavelmente, a "Gazette de France", o "Mercure" e o "Journal des Savants"- detinham privilégios reais para a cobertura de determinados temas, e nenhum periódico novo podia ser criado sem pagá-los por uma participação na área de seu domínio.
Existiam muitos periódicos, muitos dos quais impressos em francês, fora da França, mas, se ousassem criticar o governo, poderiam facilmente ser eliminados pela polícia -não apenas por meio da prisão dos vendedores de seus exemplares e de ataques-surpresa a livrarias, mas por sua exclusão dos correios.
A distribuição pelos correios os deixava muito vulneráveis, como foi descobrir a "Gazette de Leyde" quando tentou, mas não conseguiu, cobrir a história política mais importante do reinado de Luís 15, a destruição dos parlamentos, em 1771-1774. Em suma, a imprensa francesa estava longe de ser livre e, além disso, era subdesenvolvida, comparada às imprensas holandesa, inglesa e alemã. O primeiro jornal diário francês, "Le Journal de Paris", só apareceu em 1777. O primeiro jornal diário alemão nasceu mais de um século antes disso, em Leipzig, em 1660. No entanto a França já tinha um público leitor substancial desde o século 17, e ele cresceu tremendamente no século 18, especialmente nas cidades e no norte da França, onde, em 1789, quase metade da população adulta masculina era alfabetizada. Esse público tinha curiosidade quanto aos assuntos públicos e consciência de sua importância como nova força na política -ou seja, como opinião pública-, apesar de não ter voz no governo.

A comunicação em Paris
Assim, existia uma contradição básica -entre o público, com sua sede de notícias, de um lado, e o Estado, com suas formas "luiscatorzianas" de poder, de outro. Para compreender como essa contradição era vivida, precisamos olhar mais de perto para a mídia que transmitia notícias e as mensagens que ela transmitia. Quais eram os meios de comunicação da Paris do século 18? Se os compararmos à mídia onipresente de hoje, pode parecer que eles mal existissem. O Antigo Regime, conforme o imaginamos, pode nos parecer um mundo já perdido, simples, destituído de mídia, uma sociedade sem telefones, televisão, e-mail, Internet e todo o resto. Na realidade, porém, não era um mundo simples, de maneira alguma. Era diferente, apenas. Possuía uma densa rede de comunicações feita de meios de comunicação e gêneros que já foram esquecidos -tão completamente esquecidos que até mesmo seus nomes são desconhecidos hoje: "mauvais propos", "bruit public", "on-dit", "pasquinade", "Pont Neuf", "canard", "feuille volante", "factum", "libelle", "chronique scandaleuse". Havia tantos modos de comunicação, e eles se sobrepunham e se cruzavam de maneira tão intensa, que nos é impossível reconstruir o sistema em sua totalidade. Mas podemos estudar exemplos do processo de transmissão. Eis um deles, algo como uma notícia quente nos dias de hoje, que vou citar, tirado de "Anecdotes sur Mme. la Comtesse du Barry", um dos grandes best sellers das vésperas da Revolução Francesa.

A influência da madame
"Na gazeta manuscrita que em vários momentos nos serviu de guia na coleta dos materiais de nossa história, encontramos uma anedota (sobre madame du Barry) que ilustra a opinião geral do público quanto ao domínio que ela exercia sobre o rei. Ela traz a data de 20 de março de 1773: "Existe um relato, disseminado cuidadosamente por alguns cortesãos, que comprova que madame du Barry não perdeu favor ou familiaridade junto ao rei, conforme alguns deles desconfiavam. Sua Majestade gosta de preparar seu próprio café e, por meio dessa diversão inocente, obter algum alívio dos pesados deveres do governo. Alguns dias atrás o bule de café começou a transbordar, enquanto Sua Majestade estava distraída com outra coisa. "Ei, França!", gritou a bela favorita. "Preste atenção! Seu café está escorrendo pelo ralo". Fomos informados de que "França" é a expressão familiar utilizada por essa dama na intimidade dos aposentados privados. Detalhes como esses jamais deveriam circular fora deles, mas escapam, mesmo assim, graças à malignidade dos cortesãos"."
A anedota em si é trivial, mas ela ilustra a maneira pela qual uma notícia foi passando por vários meios de comunicação e alcançando um público cada vez maior. Nesse caso específico, ela passou por quatro fases: 1. começou como "mauvais propos" ou fofoca de pessoas da corte; 2. transformou-se em "bruit public", ou boato generalizado em Paris -e o texto recorre a uma expressão contundente, "a opinião geral do público"; 3. foi incorporada a uma "nouvelle à la main" ou folha de notícias manuscrita, que circulou nas Províncias, como a de madame Doublet; 4. foi impressa para formar um "libelle", ou livro escandaloso -nesse caso específico, um best seller que chegou aos leitores de toda parte.
O livro, "Anecdotes sur Mme. la Comtesse du Barry", é uma biografia vulgar da amante real, feita de uma colcha de retalhos de fofocas recolhidas pelo maior "nouvelliste" do século, Mathieu-François Pidansat de Mairobert. Ele percorria Paris recolhendo notícias e as anotava em folhas de papel que colocava em seus bolsos ou mangas. Quando chegava em um café, ele tirava uma dessas folhas do bolso e divertia os presentes com sua leitura -ou a trocava por outra folha recolhida por outro "nouvelliste". A biografia de madame du Barry escrita por Mairobert, na realidade, não passa de um livro de recortes dessas notícias, reunidas em torno de um fio condutor narrativo que começa com o nascimento obscuro da heroína, filha de uma cozinheira e de um frade viajante, chegando a seu papel de estrela de um bordel parisiense e, finalmente, ao leito real.
Mairobert não hesitava em dar vazão a suas opiniões políticas quando relatava a história, e suas opiniões eram extremamente hostis a Versalhes. Em 1749, um espião da polícia informou, nos seguintes termos, que ele denunciara o governo: "Falando sobre a recente reorganização do Exército, Mairobert disse que qualquer soldado que tivesse oportunidade para tal deveria enviar a corte ao inferno, já que o único prazer dela é o de devorar o povo e cometer injustiças". Alguns dias mais tarde a polícia o arrastou até a Bastilha, com seus bolsos repletos de poemas sobre impostos e a vida sexual do rei. O caso de Mairobert e dúzias de outros semelhantes ilustram um ponto tão simples que nunca chegou a ser notado: que os meios de comunicação do Antigo Regime eram mistos. Eles envolviam a interpenetração de meios de comunicação orais, escritos e impressos e alcançavam um público misto. O ingrediente dessa mistura que o historiador tem mais dificuldade em isolar e analisar é a comunicação oral, já que, de modo geral, ela se desvaneceu. No entanto, felizmente para os historiadores, mesmo que não para os franceses, o Antigo Regime era um Estado policial -quando se entende "polícia" no sentido vigente no século 18, como administração municipal-, e a polícia compreendia a importância da opinião pública. Para manter-se a par desta, ela colocava espiões em todos os lugares onde as pessoas se reuniam para discutir assuntos públicos: em feiras, lojas, jardins públicos, tavernas e cafés. É claro que os relatórios de espiões e arquivos da polícia não devem ser interpretados ao pé da letra, já que, como todos os documentos, possuem preconceitos embutidos. Mas fornecem dados suficientes para nos mostrar como funcionavam as redes de informação orais. Vou me basear neles para discutir dois modos de comunicação que eram especialmente eficazes na Paris do século 18: as fofocas e as canções. Vamos em primeiro lugar às fofocas. Os documentos da Bastilha estão repletos de casos como o de Mairobert: pessoas presas por veicular informações maledicentes em relação a figuras públicas, especialmente o rei. E os relatórios dos espiões revelam a natureza das conversas mais casuais entre pessoas que apenas batiam papo ou discutiam os acontecimentos recentes. Estudei os relatórios referentes a 179 conversas mantidas em 29 cafés, entre 1726 e 1729. A maioria foi escrita sob a forma de diálogos, como o seguinte: "No Café de Foy, alguém disse que o rei arrumou uma amante, que ela se chama Gontaut e que é uma mulher bela, sobrinha do duque de Noailles e da condessa de Toulouse. Outros disseram: "Se for verdade, podem ocorrer grandes mudanças". E outra pessoa respondeu: "É verdade, corre um boato, mas acho difícil lhe dar fé, já que o responsável é o cardeal de Fleury. Não acho que o rei tenha qualquer tendência nesse sentido, porque ele sempre foi mantido afastado das mulheres". "Não obstante", acrescentou outra pessoa, "não seria o maior dos males se ele tivesse uma amante". "Bem, meus senhores", acrescentou ainda outra pessoa, "pode ser que não seja um simples flerte passageiro, tampouco, e um primeiro amor poderia suscitar algum perigo do lado sexual e seria capaz de causar mais mal do que bem. Seria muito mais desejável que ele gostasse mais de caçar do que desse tipo de coisa'". Como sempre, a vida sexual da realeza fornecia material de primeira categoria para fofocas, mas todos os relatos indicam que estas eram amistosas. Em 1729, quando a rainha estava prestes a dar à luz, o clima nos cafés era de júbilo: "Todos estão verdadeiramente encantados, porque nutrem grandes esperanças de que nasça um delfim... No café Dupuy, alguém comentou: "Por Deus, meus senhores, se Deus nos agraciar com um delfim os senhores verão Paris e o rio inteiro em chamas (com fogos de artifício comemorando o acontecimento)". Todos rezam por isso." Vinte anos depois, o tom já mudara por completo. "Na loja do fabricante de perucas Gaujoux, esse indivíduo (Jules Alexis Bernard) lia em voz alta na presença do senhor Dazemar, um oficial inválido, um ataque ao rei no qual se dizia que Sua Majestade se deixa governar por ministros ignorantes e incompetentes e que selou uma paz vergonhosa e desonrosa (o tratado de Aix-la-Chapelle), na qual abriu mão de todas as fortalezas que foram capturadas...; que o rei, por manter um caso com três irmãs, escandalizou seu povo e vai causar infortúnios de toda espécie a si mesmo se não modificar sua conduta; que o rei fez pouco o da rainha e é adúltero; que não se confessou na comunhão da Páscoa e vai provocar a maldição de Deus sobre o reino e que a França será inundada por desastres; que o duque de Richelieu é cafetão e que vai esmagar madame de Pompadour ou ser esmagado por ela. Ele prometeu mostrar ao senhor Dazemar o livro, intitulado "As Três Irmãs"." O que aconteceu entre essas duas datas, 1729 e 1749? Muita coisa, é claro: um recrudescimento da controvérsia jansenista, uma batalha constante entre os Parlamentos e o rei, uma grande guerra, algumas colheitas desastrosas e a imposição de impostos impopulares. Mas quero enfatizar outro fator: o fim do toque real. Permita que eu lhe conte uma história, à qual daremos o título de "As Três Irmãs". Era uma vez um grande nobre, o marquês de Nesle, que tinha três filhas, cada uma mais bela que a outra, ou, pelo menos, todas dispostas e ansiosas por viver aventuras sexuais. De cama em cama, a primeira das três, madame de Mailly, chegou até o trono. Ela encantou o rei de tal maneira que ele, em 1739, recusou-se a renunciar a seus favores para submeter-se ao tradicional ritual da confissão, penitência e comunhão da Páscoa. Por não ter se confessado, não pôde conduzir outro ritual, este importante, que reafirmaria seu poder sagrado: tocar seus súditos para curá-los da escrófula, o "mal do rei". Um dia o rei se cansou da primeira irmã e a substituiu pela segunda, madame de Vintimille. Ela o satisfez por completo, mas morreu em 1741. Então o rei tomou como amante a terceira irmã, madame de Châteauroux, a mais bela de todas. Ele a amava tanto que a levou consigo para a batalha em Metz, durante a guerra da sucessão austríaca, em 1744. Mas então o rei adoeceu tão mortalmente que seus médicos o entregaram aos padres, que se reuniram em volta de seu leito para conduzir o ritual mais importante de todos: a extrema-unção. Se ele não confessasse seus pecados, renunciasse a sua amante e aceitasse o último sacramento, avisaram, arderia no inferno para todo o sempre. O rei cedeu. Enviou madame de Châteauroux de volta a Paris. E então, milagrosamente, se recuperou. Toda a França festejou sua recuperação. Ele retornou a Versalhes -e repensou sua decisão. Os padres tinham sido terrivelmente insistentes. Madame de Châteauroux era terrivelmente bela... Então ele a chamou de volta a seu leito, mas, antes de poder chegar até lá, ela também adoeceu e morreu.

Os pecados do rei
Qual é a moral da história? Para os parisienses, ela revelava a mão de Deus operando seus desígnios na história. Os pecados do rei eram tão grandes -não apenas adultério, mas também incesto, já que era assim que os franceses interpretavam a fornicação com irmãs- que fariam a ira de Deus abater-se sobre toda a França. Foi essa a conclusão a que chegou Bernard depois de ler "As Três Irmãs" na loja do fabricante de perucas Gaujoux.
Para os historiadores, a lição tem a ver com o ritual e a pessoa do monarca como elementos num sistema de poder. Após esse incidente, Luís 15 deixou de ir a Paris, exceto em ocasiões inevitáveis. Perdeu o contato com seus súditos. Também perdeu o toque real. A crise de Metz tinha reativado as esperanças de que o rei pudesse recuperar sua potência espiritual -após sua coroação, em 1722, ele havia tocado mais de 2.000 súditos doentes-, mas seu desenlace, a morte de madame de Châteauroux, e a sucessão de amantes retomada com a instalação nesse papel de madame de Pompadour, em 1745, assinalaram o fim da eficácia de Luís 15 como mediador entre seu povo e seu Deus encolerizado. A quebra do ritual gerou uma ruptura em sua legitimidade. Foi o fim, ou pelo menos o começo do fim, do "roi-mage", o rei sagrado de que trata a obra de Marc Bloch, "Os Reis Taumaturgos" (Ed. Companhia das Letras).
Reconheço que essa conclusão peca por excesso de dramatismo. A dessacralização ou perda de legitimidade era um processo complexo. Não ocorria de uma hora para outra, mas sim em pequenas explosões que se estendiam por um longo período de tempo. Apesar disso, a história ilustra a maneira pela qual acontecimentos, rituais e atitudes alimentavam as notícias, já que era essa a história discutida na loja do peruqueiro. Após a leitura pública do texto impresso, "As Três Irmãs" -um dos muitos livros escandalosos, ou "libelles", procurados pela polícia na época-, a discussão assumiu a forma de "mauvais propos". Os outros "libelles" -"Tanastès", "Les Amours de Zeokinizul, Roi des Kofirans", "Mémoires Secrets pour Servir à l'Histoire de Perse", "Voyage à Amatonthe"- seguem a mesma narrativa básica, que resumi na sinopse que acabei de apresentar. E todos se baseavam em "barulhos públicos", ou boatos, para formular sua trama. "Tanastès", por exemplo, foi escrito por uma camareira de Versalhes, Marie Madeleine Bonafon. Quando a polícia finalmente conseguiu fechá-la na Bastilha e deu início a seu interrogatório, mal conseguiu acreditar no que ouviu: uma mulher, e ainda por cima da classe trabalhadora, redigira uma novela política? Como era possível? Com certeza alguém deveria tê-la redigido para ela ou lhe fornecido todo o material, sob a forma de memórias. Bonafon fez questão de afirmar que fizera tudo sozinha. "Ela respondeu" (estou citando trechos do relato feito pela polícia de seu interrogatório) "que ninguém lhe entregara memórias, que ela tinha redigido o livro por conta própria e que, na realidade, formulara a história em sua própria imaginação. Mas concordou, porém, que, por ter sua cabeça repleta das coisas que se diziam publicamente sobre o que acontecera durante e após a doença do rei, ela tentara fazer algum uso de tudo isso em seu livro." A autoria de escritos políticos não se limitava à elite masculina. Penetrava fundo na sociedade. Mas o ponto que quero destacar é que, além disso, pertencia ao modo de comunicação oral, além de escrito: incorporava conversas enquanto era escrito e suscitava conversas quando era lido. De "barulho público" para material impresso e de lá para "barulho público" outra vez, o processo se erguia sobre si mesmo, de maneira dialética, acumulando força e espalhando-se por um raio cada vez maior. Agora consideremos a questão das canções. Também elas constituíam meios importantes para a comunicação de notícias. Os parisienses comumente compunham versos sobre acontecimentos da atualidade e os cantavam ao som de melodias populares, como "Malbrouck S'en Va-t-en Guerre", que todos guardavam em suas cabeças. As canções também atuavam como artifícios mnemônicos e veículos poderosos para a disseminação de mensagens, como acontece com os jingles comerciais de hoje. Algumas canções se originavam na corte, mas alcançavam as pessoas comuns, e estas as cantavam. Os artesãos improvisavam canções enquanto trabalhavam, acrescentando novos versos à medida que surgiam ocasiões para isso. Charles Simon Favart, o maior letrista do século, começou a criar letras para canções quando ainda era menino, enquanto sovava pão na padaria de seu pai. Ele e outros humoristas dos bairros mais pobres de Paris -Gallet, Fagan, Panard, Fromaget, Taconnet, Collé, Vadé- produziram grandes quantidades de canções populares que podiam ser ouvidas por toda parte nas ruas, em certas tavernas e em teatros populares. Num nível mais plebeu, cantores de rua maltrapilhos, tocando rabecas e realejos, divertiam as multidões na Pont Neuf, no Quai des Augustins e em outros pontos estratégicos. Paris era imbuída de canções. Na verdade, os parisienses descreviam seu sistema de governo como "uma monarquia absoluta abrandada por canções". Num ambiente como esse, uma canção que chamasse a atenção poderia espalhar-se como incêndio em mata seca, e, à medida que se espalhasse, iria crescendo inevitavelmente, já que ganharia novos fraseados no decorrer de sua transmissão oral, e também porque qualquer pessoa podia participar da brincadeira de acrescentar novas estrofes às antigas. Os novos versos eram rabiscados em pedacinhos de papel e trocados em cafés, exatamente como as anedotas difundidas pelos "nouvellistes" e podiam facilmente ser aprendidos de cor pelas muitas pessoas que não sabiam ler. Uma canção que criticasse o rei e seus ministros e fizesse grande sucesso podia ser um assunto sério. Assim, quando na primavera de 1749 os parisienses começaram a cantarolar uma cançoneta especialmente maledicente sobre Luís 15, o governo organizou uma operação geral de repressão à canção. A polícia recebeu ordens de prender o autor de uma canção que começava com as palavras "monstro, cuja fúria negra...", sendo que o monstro em questão era o rei. Era a única pista de que ela dispunha, mas era tudo de que precisava para pôr mãos à obra. A ordem foi repassada dos altos escalões da polícia para os inspetores e destes a seus espiões; passado algum tempo, foi recebida uma resposta rabiscada numa folha de papel. "Sei de alguém que teve uma cópia do verso abominável contra o rei em seu quarto poucos dias atrás e que falou com aprovação sobre ele. Posso lhes dizer quem é, se os senhores quiserem." Apenas duas sentenças rabiscadas numa folha de papel amassado, sem assinatura, mas valeram ao espião 12 luíses de ouro, o equivalente a quase um ano de salário para um trabalhador não-qualificado, e levaram a polícia a partir para uma extraordinária caçada humana que gerou os mais ricos anais de um trabalho de investigação literária com que já topei em minha vida -pois a canção original faz parte de todo um repertório de versos políticos que corria as ruas de Paris na época. Ao acompanhar a polícia à medida que ela foi seguindo o rastro dos versos, podemos reconstruir uma rede oral que difundia notícias e comentários sob a forma de poesia e canções. Depois de muito andar de um lado a outro, a polícia prendeu a pessoa que possuía uma versão escrita da letra da canção, um estudante de medicina chamado François Bonis. Quando foi interrogado na Bastilha, Bonis disse que recebera a letra de um padre, que foi preso, o qual disse que a recebera de outro padre, que foi preso, o qual disse que a recebera de um terceiro padre, que foi preso, o qual contou que a recebera de um estudante de direito, que foi preso, o qual disse que a recebera de um escrivão de um cartório, que foi preso etc. etc., até que a trilha se dissipou e a polícia desistiu da caçada, 14 prisões depois de começar. Vem daí o título afixado ao dossiê do caso: "O Caso dos 14".

Cacofonia de subversão
A polícia nunca chegou a encontrar o autor original. Na verdade, é possível que não tenha havido nenhum autor individual, porque as pessoas mudavam frases e acrescentavam versos durante o processo de transmissão. E, quando a polícia tentou rastrear a canção até sua origem, descobriu que seu caminho se cruzava com os caminhos de cinco outras, uma mais sediciosa do que a outra e cada uma delas com sua própria cadeia de transmissão. As letras foram memorizadas, declamadas, lidas e cantadas. Elas circulavam em pedacinhos de papel escondidos em bolsos e mangas; foram transcritas e armazenadas em cançoneiros manuscritos, e, finalmente, foram impressas em livros, especialmente na "Vida Privada de Luís 15", que virou best seller "underground". Juntos, criaram um campo de impulsos poéticos que ricocheteavam de um ponto de transmissão a outro e enchiam o ar de "ruídos públicos", uma cacofonia de subversão rimada.
Uma parte desses ruídos passou da corte para Paris. Mas boa parte dela saiu do próprio povo -não apenas de estudantes, advogados e padres, como em "O Caso dos 14", mas também de artesãos, criados e lojistas.
A título de exemplo, cito um último caso, tirado dos arquivos da polícia, o dossiê de madame Dubois. Em sua vida obscura de mulher de um escrivão de uma loja têxtil da rua Lavandières, seu maior problema era o fato de que seu marido, monsieur Dubois, era um estúpido. Certo dia, após uma briga especialmente feia, madame Dubois resolveu se livrar dele. Escreveu, assinando com nome falso, uma carta ao tenente-geral da polícia dizendo que tinha visto um elemento suspeito lendo um poema em voz alta para outra pessoa na rua. Quando os dois a viram, deixaram cair o papel e fugiram. Ela o pegara e seguira o leitor até sua residência na rua Lavandières -justamente o quarto de Monsieur Dubois. A senhora Dubois inventou a história na esperança de que a polícia fosse atirar seu marido na Bastilha. Mas, depois de remeter a carta, ela se arrependeu. Seu marido era de fato um estúpido, mas será que merecia desaparecer para sempre numa masmorra? Dominada pelo remorso, madame Dubois foi à audiência semanal concedida pelo tenente-geral da polícia, atirou-se a seus pés, confessou tudo e foi perdoada. O caso terminou ali, mas o poema sobrevive em seu dossiê e contém todos os temas padrões sobre a vida sexual de Luís 15 e seus erros no governo. Há dúzias de canções sobre temas semelhantes espalhadas pelas coleções de manuscritos existentes nas diversas bibliotecas parisienses. Um cançoneiro contém 641 canções do período entre 1745 e 1751. Ademais, a mesma canção frequentemente reaparece em diversas coletâneas diferentes, de modo que, comparando suas diferentes versões, é possível seguir sua evolução à medida que os parisienses acrescentavam novas estrofes relativas aos acontecimentos mais recentes. Já encontrei nove versões de "Uma Rameira Bastarda" -ou seja, Madame de Pompadour-, que parece ter sido um grande sucesso, especialmente entre os 14. Elas variam de comprimento -entre 6 e 23 estrofes- e cobrem todos os temas sobre os quais as pessoas teciam fofocas, de acordo com os relatos dos espiões. A canção funcionava como um jornal tablóide musicado.

Descaminhos da opinião pública
Como o público enxergava tudo isso? Como tudo isso se juntou para formar essa força misteriosa à qual nos referimos tão casualmente como "opinião pública"? Esses são os problemas mais difíceis na história da comunicação, porque, apesar da abundância de teorias da recepção, dispomos de poucas evidências de como essa recepção de fato se deu. De minha parte, confesso que não tenho solução a oferecer para esses problemas, mas posso ter encontrado uma maneira de passar ao largo deles, pelo menos nessa instância, por meio de um desvio.
Voltemos ao relato sobre o café derramado. A história apareceu em "Anecdotes sur Mme. la Comtesse du Barry", um dos maiores best sellers dos anos pré-revolucionários. Como podemos saber de que maneira os leitores do século 17 a interpretaram? Não temos nenhum registro de suas reações. Mas podemos estudar a maneira como o texto funciona, como se encaixa no livro e o lugar do livro num conjunto de textos relacionados que atuou como fundo básico de informações sobre os acontecimentos da época e a história contemporânea, para o público leitor geral.
Eu começaria pela frase-chave "La France! Ton café fout le camp". Ela teria soado especialmente chocante aos ouvidos dos franceses do século 18, porque "La France" evocava um significado específico no código social da época. Era comum os lacaios serem chamados pela Província de sua origem. Assim, ao gritar "La France!", num momento de intimidade, Du Barry estava chamando o rei de seu lacaio. E ela o fez de maneira espalhafatosamente vulgar, uma maneira que certamente traria à tona a natureza plebéia existente por baixo de seu verniz da corte, já que "fout le camp" (acaba com o campo) era a linguagem do bordel, e não da corte. Exemplos semelhantes de vulgaridade se repetem ao longo do livro. Na realidade, constituem seu tema central. "Anecdotes sur Mme. la Comtesse du Barry" era um "libelle" clássico, organizado segundo a fórmula que mencionei anteriormente: do bordel ao trono.
Du Barry chega até o topo passando de cama em cama, usando os truques que aprendeu no prostíbulo para reviver a libido exausta do velho rei e, desse modo, dominar o reino. É uma Cinderela vadia e, portanto, diferente de todas as amantes reais anteriores -ou, pelo menos de todas desde madame de Pompadour, cujo sobrenome de solteira era Poisson- que, fossem quais fossem seus padrões morais, pelo menos eram damas por nascimento. Esse tema é resumido numa canção -uma das muitas impressas no texto- que inclui a frase: "Todos nossos lacaios a possuíram/ Quando ela percorria as ruas/ Vinte centavos eram mais do que suficientes/ Para fazê-la aceitar de imediato".
Um segundo "Leitmotiv" que percorre o livro é a degradação da monarquia. Em cada momento a narrativa se alonga sobre a profanação dos símbolos reais e da pessoa do próprio rei. O cetro, diz o livro, se tornou tão fraco quanto o pênis real. Era linguagem contundente, para uma época que tratava os reis como seres sagrados, investidos diretamente por Deus do poder de governar e dotados do toque real. Mas, como expliquei anteriormente, Luís perdera o toque. "Anecdotes sur Mme. la Comtesse du Barry" agravou essa perda, ao retratá-lo como mortal comum -ou, pior ainda, como um velho lascivo.
Ao mesmo tempo, o livro convidava o leitor a comprazer-se com o "frisson" de ter um vislumbre dos ambientes mais privados de Versalhes, do próprio "secret du roi" -até mesmo a observar o rei entre os lençóis. Pois era ali que se decidiam os grandes assuntos de Estado -a queda de Choiseul, a partilha da Polônia, a destruição do sistema judiciário francês pelo chanceler Maupeou, tudo que teria merecido uma manchete, se houvesse manchetes ou jornais contendo notícias. Em cada caso, segundo a narrativa, Du Barry embebedou o rei, o arrastou para a cama e depois o convenceu a assinar qualquer édito que pudesse ter sido preparado para ela por seus conselheiros malignos. Esse tipo de reportagem antecipou técnicas que, um século mais tarde, seriam desenvolvidas para transformar-se no jornalismo marrom: apresentava a história da política de Versalhes, vista de dentro; retratava as lutas pelo poder como coisas que o mordomo presenciou, reduzia os assuntos complexos de Estado a intrigas de bastidores e à vida sexual do monarca. É claro que isso não podia ser visto como história séria. Eu a chamaria de folclore. Mas possuía um poder de atração enorme -tanto assim que sobrevive até hoje. Topei com o episódio do café derramado -com outra amante, mas a ênfase correta sobre sua vulgaridade- num livro de quadrinhos canadense-francês. Em lugar de desprezar o folclore político e tachá-lo de trivial, eu o levaria a sério. Na verdade, acredito que tenha constituído um ingrediente crucial na queda do Antigo Regime. Mas, antes de saltar para essa conclusão, eu faria melhor em retirar-me para território familiar: o comércio de livros proibidos, que estudei em minha última rodada de pesquisas. Ao reconstruir estatisticamente a atividade dos livreiros espalhados pelo reino, concluí que um enorme conjunto de literatura escandalosa atingia leitores em todas as partes da França. Cinco dos livros mais vendidos no país eram "libelles" e "chroniques scandaleuses" -ou seja, relatos chulos da vida da elite da corte e do governo. Os "libelles" frequentemente possuem qualidades literárias impressionantes, embora jamais tenham sido vistos como literatura e, hoje, estejam esquecidos. "Anecdotes sur Mme. la Comtesse du Barry" chegou ao topo da lista de best sellers porque, entre outras coisas, era muito bem escrito. Pidansat de Mairobert sabia narrar uma história. Seu texto é engraçado, malicioso, chocante, ultrajante e ótima leitura. Também causa boa impressão física. Ele vem embalado num tomo imponente de 346 páginas, completo com uma bela folha de rosto e toda a aparência de uma biografia séria. Os outros "libelles" muitas vezes são mais elaborados. Contêm notas de rodapé, apêndices, genealogias e toda espécie de documentação. "A Vida Privada de Luís 15" é uma história em quatro volumes do reino inteiro, mais detalhado e bem documentado, apesar de seu caráter chulo, do que muitas histórias modernas. "Journal Historique de La Révolution Opérée... par M. de Maupeou" tem sete volumes, "L'Espion Anglais", dez, e "Mémoires Secrets", 36. Esses livros mapeavam todo o percurso da história contemporânea. Na verdade, eram os únicos mapas disponíveis, já que a biografia política e a história contemporânea, dois gêneros que formam a espinha dorsal de nossas próprias listas de best sellers, não existiam na literatura legalmente permitida do Antigo Regime. Eram proibidos. Os contemporâneos que quisessem se orientar, relacionando o presente ao passado recente, eram obrigados a voltar-se à literatura de calúnia. Não tinham nenhuma outra fonte a que recorrer. Como se dava esse processo de orientação? Se você percorrer o conjunto inteiro de "libelles" e "chroniques scandaleuses", encontrará as mesmas características, os mesmos episódios e, com frequência, as mesmas frases espalhadas por toda parte. Os autores se baseavam em fontes comuns e copiavam trechos dos textos uns dos outros com a mesma liberdade com que trocavam notícias nos cafés. Não era uma questão de plágio, já que a idéia de plágio não chegava a se aplicar à literatura "underground", e os livros, assim como as canções, quase não tinham autores individuais. Era um caso de intertextualidade explícita.

Decadência e nepotismo
Apesar de sua profusão barroca, os textos podem ser reduzidos a alguns poucos "Leitmotivs" que reaparecem ao longo de todo o conjunto de obras. A corte está sempre se afundando cada vez mais na devassidão, os ministros estão sempre enganando o rei, o rei está sempre deixando de cumprir seu papel de chefe de Estado, sempre se está abusando do Estado e o povo está sempre pagando o preço pelas injustiças que lhe são infligidas: impostos maiores, sofrimento aumentado, mais insatisfação e maior impotência diante de um governo arbitrário e todo-poderoso. Itens noticiosos individuais, tais como o café derramado, eram histórias por si só. Mas também se encaixavam nas estruturas narrativas de livros inteiros, e os livros se encaixavam numa metanarrativa que percorria o conjunto inteiro: a política era uma série interminável de variações sobre um tema único, a decadência e o despotismo. É verdade que não sei como os leitores liam esses livros, mas não acho que seja exagero repisar uma qualidade da leitura de modo geral: é uma atividade que envolve o encontrar sentido para símbolos, encaixando-os dentro de quadros. As histórias representam os quadros contextuais mais fascinantes. As pessoas comuns muitas vezes encontram sentido no mundo agitado e confuso que as cerca com a ajuda da leitura e narrativa de histórias. Os leitores gerais da França do século 18 interpretavam a política da maneira que fazia sentido para eles, incorporando as notícias nos quadros narrativos fornecidos pela literatura de calúnia. E essas suas interpretações eram reforçadas pelas mensagens que recebiam de outros meios de comunicação: fofocas, poemas, canções, textos impressos, piadas e assim por diante. Cheguei ao fim do meu argumento e percebo que não o demonstrei cabalmente. Para torná-lo convincente, preciso conduzi-lo em duas direções. Primeiramente, o conjunto da literatura de "libelle" dos anos 1770 e 1780 nasceu de uma tradição antiga, cujas origens são anteriores à propaganda huguenote contra Luís 14, anteriores às "mazarinades" e às panfletagens das guerras religiosas: remontam à arte do insulto e da difusão de boatos que foi desenvolvida nas cortes renascentistas. De Aretino em diante, essa tradição foi crescendo e se modificando até culminar na imensa produção de "libelles" vista sob Luís 15 e Luís 16.

Notas promissórias
Esses "libelles", por sua vez, atuaram como quadro contextual da percepção pública dos acontecimentos durante a crise de 1787-1788, que causou a queda da monarquia "luiscatorziana". Essa é a segunda direção na qual eu levaria o argumento. Mas, para explicar como isso aconteceu, eu teria que escrever um livro mostrando como a crise foi interpretada, dia-a-dia, em todos os meios de comunicação da época. Assim, em lugar de chegar a uma conclusão firme, estou emitindo notas promissórias.
Espero, contudo, ter dito o suficiente para inspirar mais estudos sobre a história da comunicação e, também, para fazer com que se repensem as ligações entre as notícias, os meios de comunicação de massas e a política de modo geral -até mesmo a política de hoje. Talvez existam algumas continuidades entre a Paris de Luís 15 e a Washington de Bill Clinton. Como se situa a maioria dos americanos na confusão política do ano 2000? Não, lamento dizer, partindo da análise de problemas, mas de nossa variedade própria de folclore político -ou seja, relatando histórias sobre as vidas privadas de nossos políticos, exatamente da mesma maneira que os franceses se divertiam com "A Vida Privada de Luís 15". Como encontrarmos o sentido por trás disso?
Não apenas pela leitura de nosso jornal diário, mas também pela releitura da história de uma era da informação anterior à nossa, o século 18, quando o segredo do rei foi exposto diante da Árvore de Cracóvia, e a mídia formou um sistema de comunicações tão poderoso que se mostrou decisivo na queda do regime.


Robert Darnton é professor de história na Universidade de Princeton e acaba de completar seu mandato na presidência da Associação Histórica Americana; é autor de, entre outros, "Edição e Sedição" e "Os Best-Sellers Proibidos" (Companhia das Letras). Este texto foi publicado originalmente no "The New York Review of Books".
Tradução de Clara Allain.


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