São Paulo, domingo, 30 de agosto de 1998

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Cenas do dia-a-dia brasileiro

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
da Equipe de Articulistas

"O Mel e o Fel" vem escoltado por uma admirável esquadra de apresentadores -prefácio de Ariano Suassuna, anteprefácio de Millôr "Viola" Fernandes, orelha de Janio de Freitas, contracapa com depoimentos de Cristovam Buarque, Evandro Lins e Silva e Ricardo Noblat- e revela um escritor de escrita fácil, inteligente, bonita.
A coletânea reúne artigos do advogado pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, publicados principalmente no "Jornal do Commercio", do Recife, e também na Folha, no "Correio Braziliense", na "Veja", nos últimos anos.
A cena pernambucana, nordestina, não aparece apenas na coleção de cantadores populares que o autor desfia pelo livro como um adorno erudito. Definitivamente, José Paulo não é do sul, não esquece a "história de perdas" da sua terra, e isto está presente em cada oração, quando apenas conta um caso, quando fala de Brasília e das instituições políticas, quando critica o ministro do Planejamento, quando reage à grosseria de Paulo Francis, quando desconfia da globalização, quando descreve um prato de comida ou o ritual da sucessão presidencial francesa.
Informado e atento, o articulista faz do prisma regional, provinciano, um traço de identidade.

A OBRA
O Mel e o Fel - José Paulo Cavalcanti Filho. Ed. Record (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 021/585-2000). 256 págs. R$ 25,00.



Quando trata dos meios de comunicação, sua visão crítica das empresas jornalísticas não é ilustrada apenas pela informação técnica de como as coisas acontecem em outros cantos do mundo. José Paulo lembra que a população de seu Estado não assistiu à posse do governador Miguel Arraes porque nenhuma emissora -todas submetidas aos interesses das grandes redes- se interessou pela transmissão da cerimônia. As mesmas emissoras que, como mostra outro artigo, são regiamente remuneradas pelo horário eleitoral supostamente gratuito.
A prisão inafiançável de dois lavradores acusados de matar dois animais em extinção, dois tamanduás, para comer, mostra com graça o que a lei pode contemplar de fantasia, estupidez e crueldade.
Para que o leitor possa dimensionar a tragédia humana que se abateu sobre Goiânia, o articulista lembra que os mortos da radiação são sepultados em caixões de concreto, o que os mantêm "segregados por 400, 500 anos de solidão". Uma imagem terrível, que contrasta com a cena romântica da cova rasa, com palmos medida, e que bem ou mal nos devolve à natureza.
Em Eldorado dos Carajás, "cada um de nós é um pouco aqueles policiais que atiraram". Os candidatos deixam "pedaços de suas almas pelas campanhas". O desprezo pela privacidade "sobrevive em nós como uma herança infausta do autoritarismo". Democracia, às vezes, "é não informar".
Como sentencia o prefácio de Suassuna, o leitor pode facilmente discordar dos escritos de José Paulo Cavalcanti Filho, mas logo vê que seus impulsos são generosos, do bem.




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