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Festival de vidas privadas
"O Show do Eu", de Paula Sibilia, investiga os processos
de espetacularização
da individualidade na internet
GISELLE BEIGUELMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em "O Show do Eu",
Paula Sibilia investiga os processos
que transformaram a intimidade
em espetáculo mediado pelas redes on-line.
Para tanto, mapeia idéias
e conceitos sobre subjetividade ao longo da história e
os confronta com as práticas de superexposição que
se realizam nos canais mais
populares da web 2.0, como
blogs e o YouTube.
Esse mapeamento não
cede à euforia tecnodeterminista, que identifica na
internet uma potência
agenciadora de todas as
transformações culturais
que vivemos hoje.
Tampouco se curva ao
neoconservadorismo tecnofóbico, que repele qualquer inovação que tenha sido engendrada pelas práticas típicas da cibercultura.
Operando como um liqüidificador de referências,
Sibilia cita pensadores como Friedrich Nietzsche
(1844-1900), Walter Benjamin (1892-1940) e Michel
Foucault (1926-84), sem
dispensar figuras como a
blogueira e garota de programa Bruna Surfistinha, o
vencedor do "Big Brother
Brasil" Kleber Bambam e
dúvidas existenciais de leitores da revista "Capricho".
Isso não é feito com o intuito de equilibrar os discursos, mas de situar as particularidades do "festival de
vidas privadas" que é gerado cotidianamente com
poucos cliques.
Sibilia contextualiza esse
festival nas novas formas
arquitetônicas de casas
construídas para funcionar
como complexos multimídia, nas relações incestuosas entre mercado e produtos "grátis" na web e nas
formas de privatização da
vivência dos espaços públicos pela proliferação de artefatos "plugados" aos corpos, como iPods e celulares.
Em um texto que cruza
psicanálise, filosofia, historiografia, literatura e dados
sobre a vida on-line, tece
um panorama dos modos
pelos quais a experiência
íntima vem se constituindo
como experiência "éxtima",
destinada à publicação em
vídeo, foto e texto.
Debord empacotado
Aborda os novos formatos da figura do narrador, o
culto à personalidade e a
produção de vidas virtuais
alternativas, percorrendo
as diversas instâncias que
eclipsam a noção de interioridade num mundo em que
supostamente "você" é o
protagonista.
As análises desembocam
no diagnóstico da mais perversa das faces da espetacularização do "eu": a conversão da subjetividade em
processo de gestão de marca. Para isso, tomam como
exemplo do fenômeno o caso de Guy Debord.
Pensador fundamental
para a compreensão da
atualidade, não só pela precoce denúncia da "Sociedade do Espetáculo" [ed. Contraponto], título de seu livro
e filme mais famosos, mas
pela forma como foi "empacotado" como produto de
consumo.
Sibilia assinala que, antes
de suicidar-se, em 1994, Debord (1931-94) proibiu a
exibição de todos os seus filmes. A despeito disso, destaca a autora, toda a sua
obra foi recentemente reeditada em uma luxuosa embalagem, contendo seus filmes e uma série de documentos pessoais, como fotos de criança e cartas.
Enquanto leio o livro de
Sibilia e penso nas estratégias de espetacularização do
eu pela sedutora forma como sites nos convidam a
acreditar que "você" é o
protagonista, me dou conta
de que participo de três exposições com os sugestivos
nomes de "Netescopio" (no
Museu Iberoamericano de
Extremadura, em Badajoz,
Espanha), "YOUser", comemorativa dos dez anos do
Museu de Arte e Mídia da
Alemanha (ZKM), e da Bienal de Sevilha, intitulada
"YOUniverse".
As ironias da sociedade
espetacular investigadas
pela autora se impõem como dura realidade e já me
sinto cedendo ao convite do
YouTube para "broadcast
myself" [transmitir-se].
Antes de sucumbir ao
show do eu -do qual para
participar basta um clique
"e, de fato, todos costumamos dar esse clique", como
escreve Sibilia-, encerro.
GISELLE BEIGUELMAN é professora da
pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP.
O SHOW DO EU
Autora: Paula Sibilia
Editora: Nova Fronteira (tel. 0/
xx/21/2131-1111)
Quanto: R$ 39,90 (288 págs.)
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