São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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PONTO DE FUGA

Coisa de homem

JORGE COLI
Especial para a Folha, em Nova York

"Hi-Lo Country" é o último filme de Stephen Frears. Foi ignorado pelo público e condenado pela crítica americana: o inglês Frears não teria sabido enfrentar o western, gênero que está na essência da cultura dos EUA. As análises deploram a falta de energia necessária para atingir uma esperada grandeza épica e percebem apenas clichês ou lugares comuns. Na verdade, Frears não se desfaz das questões essenciais que atravessam seus filmes, aparentemente tão díspares. São sempre ligações perigosas e violentas, paralelas aos caminhos convencionais do amor, no limite de uma explosão, dentro de situações instáveis ou em crise.
"Hi-Lo Country" se passa no crepúsculo econômico daquilo que alimentava o mito do faroeste. No imediato pós-guerra, os modos da criação de gado transformam-se e aniquilam os caubóis. É quando, no cinema, o vaqueiro se metamorfoseia em Roy Rogers, quer dizer, numa caricatura. Frears não trata da energia na conquista de fronteiras, mas de um esvaziamento, no qual os laços de amizade masculinos, já ambíguos em muitos westerns clássicos, tornam-se desesperados. Dois homens amam a mesma mulher, por sinal casada, e, ao mesmo tempo, sentem-se unidos entre si por um amor indissolúvel. Participam de rodeios e brigas de "saloon" quase rituais, como se fossem os últimos e em que a camaradagem é obscurecida por estranhos vínculos. Um western nem épico, nem trágico, mas terminal: a última agonia de um ciclo.

Herança - As orquestras italianas nunca foram muito boas, nem a os italianos apresentam uma história musical relevante no campo sinfônico. A Itália produziu, porém, alguns dos maiores maestros de todos os tempos: basta lembrar do nome absoluto de Toscanini. Hoje, por mais reduzida que seja, uma lista dos melhores regentes deverá incluir, nos primeiros lugares, pelo menos Giulini, Abbado, Sinopoli e Muti, todos italianos. Giulini, o decano, possui uma fluência que faz o discurso musical escorrer com uma naturalidade sem esforços; Abbado é o senhor dos plásticos fraseados românticos e das estruturas modernas; Sinopoli vai por caminhos muito originais e crispados; Mutià Muti é a transcendência. Faz esquecer completamente a origem física do som, criando uma respiração musical espiritualizada. Regeu agora, pela primeira vez, a New York Philharmonic. Incluiu o "Bolero" de Ravel no programa, cuja estréia mundial se deu em NY, há 70 anos atrás, com a mesma orquestra e sob a regência de Toscanini. Para Muti, um modo de celebrar esse fato e de dispor-se como o herdeiro do supremo maestro.

Malboro - O vaqueiro vai por uma estrada, no pôr-do-sol, conclusão frequente que pressupõe uma vida solitária e novas aventuras: quadrinho final de Lucky Luke. Frears põe o seu derradeiro caubói numa caminhonete que avança para o horizonte no fim da tarde. Mas ele vai do Novo México para a Califórnia, para Los Angeles, abandonando o próprio território, já que seu primeiro modo de ser não existe mais e o ciclo de suas histórias se encerrou. Ele se transformará numa outra ficção.




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