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O grande comunicador
BERLIN ACREDITAVA TER FALHADO COMO "FILÓSOFO DE OXFORD" E SE TORNOU MIDIÁTICO POR FALTA DE OPÇÃO
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DA REDAÇÃO
O estatuto quase
mítico de que
Isaiah Berlin goza junto à mídia
britânica atualmente ocorreu por falta de
opção, defende o sociólogo
inglês Steve Fuller.
Para ele, o pensador sentia
claramente ter falhado em
sua intenção de se tornar um
legítimo "filósofo de Oxford"
e, por isso, lançou mão de sua
grande capacidade de assimilação para se tornar um intelectual público.
Professor na Universidade
de Warwick (Reino Unido),
Fuller definiu o intelectual
(em "O Intelectual", ed. Relume Dumará) como um "personagem" que sabe que tem
um papel a desempenhar,
pois está no "negócio de promover ideias".
Mas Fuller, na entrevista
abaixo, também é duro em
relação a Berlin. Ele arrisca
dizer que o filósofo não hesitaria em defender certos
meios -como guerra e tortura- para resguardar o princípio da liberdade no planeta.
(MARCOS FLAMÍNIO PERES)
FOLHA - Por uma ironia da história, as ideias de Berlin foram em
parte reivindicadas por partidos
conservadores. Por quê?
STEVE FULLER - Berlin nunca
apoiou explicitamente os
conservadores, embora eu
possa entender a conexão entre ambos.
Quando eu fazia a gradução
na Universidade Columbia
(EUA) no final dos anos 1970,
um de meus professores, Robert Nisbet, se referia a ele como alguém que forneceu ao
conservadorismo um rico
"pano de fundo" histórico, como uma espécie de "Contra-Iluminismo".
Isto é, não haveria apenas
Edmund Burke, mas também
Vico, Herder e Hamann.
Hoje, as novas gerações se
esquecem de que a Guerra
Fria foi travada entre "liberais" e "socialistas", e os "conservadores" foram legados à
categoria de "reacionários".
Berlin (talvez à sua revelia)
reequilibrou a balança. Ele
mostrou as origens do pluralismo no pensamento conservador e destacou que as tendências totalitárias aguardam
qualquer deslize para surgir,
tanto em meio ao socialismo
quanto ao liberalismo.
Embora eu não partilhe de
seus temores, não posso negar que ele tornou o debate
político mais interessante, ao
menos no nível intelectual.
FOLHA - Tomando a definição de
seu livro, Berlin se aproxima mais
do intelectual ou do acadêmico?
FULLER - A substância do pensamento de Berlin é hoje ignorada nos círculos acadêmicos, embora alguns de seus
termos -como "pluralismo",
"liberdade positiva" e "liberdade negativa"- ainda sejam
utilizados.
Penso que ele é um pouco
como Raymond Aron na
França, um acadêmico com
forte presença pública contra
a "correção política" de sua
época. Mas Aron tinha a vantagem de ter sido contraposto
claramente a Sartre.
Em contraste, como acontece com frequência no Reino
Unido, Berlin era "tolerado".
E, com o tempo, tornou-se
um "tesouro nacional" -expressão usada para a família
real e pessoas excêntricas, no
bom sentido.
Berlin também tem tido influência significativa fora do
Reino Unido, especialmente
em países onde a luta contra
autoritarismos e totalitarismos permanece viva.
O megainvestidor George
Soros, por exemplo, está organizando na cidade natal de
Berlin -Riga, na Letônia (ex-república soviética)- um
evento para comemorar simultaneamente os cem anos
de Berlin e os 20 anos da queda do Muro de Berlim.
Apenas na Letônia os dois
"Berlins" poderiam ser considerados dignos da mesma comemoração.
FOLHA - O Reino Unido, país em
que viveu a maior parte de sua vida, vem sendo considerado um
exemplo de tolerância e multiculturalismo no Ocidente. O sr. acredita que a influência de seu pensamento tem a ver com isso? Como
ele percebeu essas mudanças?
FULLER - Berlin certamente
recebeu bem essas mudanças, mas não acho que suas
ideias tenham de fato contribuído para elas.
Um indicador melhor de
seu pensamento pode ser encontrado na carreira de Michael Ignatieff [autor de
"Isaiah Berlin - Uma Vida",
ed. Record], seu biógrafo autorizado e agora líder do Partido Liberal do Canadá.
Bem conhecido como intelectual público no Reino Unido, o próprio Ignatieff tende a
admitir tortura e intervenções militares, ainda que limitadas, como um meio de
aumentar a liberdade no
mundo.
De fato, Berlin sempre alertou contra o perigo do indivíduo se fundir na massa.
A esse respeito, Ignatieff
promoveu, por meio de uma
Realpolitik, algo que Berlin
apenas teorizara.
FOLHA - Por outro lado, a ideia de
liberdade vem sendo ameaçada
pela ascensão do terrorismo, de
fundamentalismos religiosos e,
numa escala geopolítica, pela
emergência de uma superpotência não-democrática. Qual a validade do pensamento de Berlin para entender esse novo contexto?
FULLER - Minha aposta é de
que ele falaria publicamente
sobre a manutenção das liberdades civis, mesmo com as
ameaças terroristas em escala global.
Mas, reservadamente,
apoiaria os esforços de pessoas como Ignatieff, no que
diz respeito a tomar decisões
duras sobre torturas e guerra,
com a intenção de defender
essas liberdades.
FOLHA - Citando o pos-scriptum
de seu livro, o que aconteceu com
Berlin após sua morte?
FULLER - Berlin é lembrado
pela mídia de massa -e com
razão- como um intelectual
público. Mas creio que tenha
chegado a essa posição por
falta de opção. Ele acreditava
claramente que havia falhado
em sua intenção de se tornar
um "filósofo de Oxford", propriamente falando.
Entretanto, sabia de seus
talentos e, em uma entrevista
à BBC, descreveu a si mesmo
como um grande "assimilador". E o rádio, em especial,
era uma mídia em que poderia ser facilmente assimilado.
Berlin era um grande improvisador, que podia falar
frases complexas e interessantes, sem anotações.
A raridade dessa capacidade ajuda a explicar a mística
atual de Berlin junto à mídia
britânica.
Ele representa o acadêmico
que todas as pessoas querem,
mas que nunca encontram,
nas universidades.
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