São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

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PENSADOR ANTECIPOU TENDÊNCIAS HISTÓRICAS

DA REDAÇÃO

Nalgumas vezes com grande clareza, noutras nem tanto, o desenvolvimento de seus pressupostos teóricos levou Tocqueville a "adivinhar" muitos dos importantes desenvolvimentos históricos dos séculos 19 e 20. A seguir, algumas idéias do pensador.

Marcha para o Oeste
Para Tocqueville, era inevitável que os norte-americanos ocupassem os territórios a oeste de sua formação original, pois os EUA acreditam na autocriação. No âmago dessa crença está a convicção de que circunstâncias herdadas e antepassados são menos importantes do que a direção que cada um escolhe para si e o esforço investido nessa escolha. Assim os norte-americanos estariam livres para reproduzir o padrão de colonização original em direção ao oeste.

Fim da escravidão
A instituição da escravidão feria imperativos da consciência igualitária moderna e da ética cristã, ou seja, o fato de o cristianismo ser uma "religião de homens livres". Para Tocqueville, ao se incutir a religião aos escravos, surgiriam neles "instintos de liberdade", que contribuiriam para o fim da servidão. "A época que segue à abolição da escravatura", escreveu, "é sempre um tempo de mal-estar e de esforço social". "Esse é um mal inevitável. É necessário se decidir a suportá-lo ou a eternizar a escravidão."

Guerra de Secessão
A guerra entre os Estados do norte e do sul dos Estados Unidos (1861-1865) seria uma conseqüência do fim da escravidão, que era inevitável com o desenvolvimento da democracia. A liberdade dos negros opunha as duas regiões, além disso demasiadamente desiguais, ambas as causas contribuindo para a guerra.

O mundo entre EUA e Rússia
Toqueville previu que no século 20 o mundo seria dirigido pelos EUA e pela Rússia. Escreveu que havia "sobre a Terra dois grandes povos que, partindo de pontos diferentes, parecem perseguir a mesma meta: são os russos e os anglo-americanos". "Seus pontos de vista são diferentes, seus caminhos são diversos. Mesmo assim, cada um deles parece chamado pelo desígnio da providência a sustentar um dia em suas mãos os destinos da metade do mundo."

Protestantismo como o cristianismo moderno
Para Tocqueville, o princípio da igualdade se apreende primeiro através da religião, e a democracia é basicamente uma forma secularizada de cristianismo. O avanço da democracia seria assim uma característica primordial das nações cristãs. Na sua obra ele faz várias referências ao mundo cristão como o palco de suas generalizações sobre a difusão da igualdade. O protestantismo, em particular, abriu caminho para a democracia ao dar aos fiéis um acesso direto a Deus e ao driblar a autoridade de uma igreja autocrática.

Prevalência do privado sobre o público
A democracia carrega consigo as sementes do individualismo, já que, ao destruir os laços de hierarquia e lealdade, "traz cada um de volta a si mesmo e ameaça encerrá-lo, enfim, na solidão do seu próprio coração". Ainda segundo o francês, o mundo igualitário moderno seria necessariamente individualista. A sobrevivência dos indivíduos passaria a depender do esforço de cada um no mundo do trabalho e da competição, o que favorecia o isolamento social e o confinamento à esfera do privado. Diminuindo a importância das práticas voltadas para a realização do bem comum, o governo da democracia se transformava em mecanismo de distribuição de benesses e de sofrimentos, com riscos de despotismo.

Elogio da descentralização administrativa
A centralização administrativa do Antigo Regime, dizia Tocqueville, era a mesma encontrada ainda em meados do século 19 francês. Do mesmo modo, o tratamento do ímpeto racionalista e planejador dos "fisiocratas" serviu para ele denunciar ao mesmo tempo o despotismo esclarecido do século 18 e o socialismo. "Crê-se que as teorias destrutivas que são hoje designadas pelo nome "socialismo" são de origem recente; é um erro: essas teorias são contemporâneas dos primeiros economistas." Entre os norte-americanos, em contrapartida, o fortalecimento do poder local servia como freio para o gigantismo do Estado e o ímpeto controlador do governo central.

Os intelectuais e o poder
Tocqueville criticou nos intelectuais políticos a "falta de experiência" e a "tendência para propalarem idéias gerais que levam a extremismos simplistas". Ele censurou os intelectuais por, em sua opinião, desempenharem um papel negativo no exercício do poder.

Desenvolvimento gradual da democracia
O pensador francês defendia que a democracia seria o resultado de um desenvolvimento gradual, independente de grandes rupturas. Para ele, "o desenvolvimento gradual da igualdade de condições é [...] um fato providencial e as suas características são as seguintes: ele é universal, é durável, escapa sempre ao poder humano; todos os acontecimentos, como todos os homens, servem ao seu desenvolvimento". As grandes potências do século 20 seriam aquelas que obedecessem de forma mais total a essa tendência democrática.


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