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Contra a fantasia dos simpatizantes de esquerda, livro de Raúl Rivero mostra a realidade das prisões e dos linchamentos morais em Cuba
Bem-aventurados os lascivos
FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA
Quando Raúl Rivero foi preso em Cuba, com mais 73
intelectuais, fui informado
pela internet e tentei criar
um comitê pela sua liberdade. A
idéia fracassou porque havia uma
indiferença grande em relação aos
opositores em Cuba. Existem mesmo? O que são eles, o que querem?
Uma grande cortina de fumaça
pairou sobre os círculos políticos e
midiáticos do Brasil, mostrando
apenas praias, charutos, comunidades preparadas para receber visitantes, enfim, propaganda oficial. Os
simpatizantes de esquerda que visitaram a ilha, de um modo geral apenas confirmaram suas fantasias sobre Cuba, uma vez que uma bem organizada estrutura lá existe precisamente para que se confirme a visão
romântica do comunismo.
O livro de Raúl Rivero, "Provas de
Contato", chegou com um pouco de
atraso em relação às suas prisões.
Mas é fundamental que o talento
desse escritor e jornalista nos ajude a
compreender o que é a vida na ilha
dominada por Fidel Castro e sua truculenta burocracia. Novas prisões de
intelectuais estão sempre no horizonte e quem sabe, nas próximas,
poderemos enfraquecer essa muralha de mentiras e ilusões sobre a natureza do regime .
Há um ponto comum no trabalho
da geração de artistas destroçada pela repressão política. Reinaldo Arenas, com seu "Antes que Anoiteça"
(ed. Record, adaptado para o cinema por Julian Schnabel, em 2000),
revela como a sensualidade é uma
forma de escapar ao horror da vida
sob a burocracia comunista.
Raúl Rivero, em escala menor, expressa também essa tendência. No
entanto, como seu livro, que é um
jornalismo literário, abarca inúmeros temas e personagens da vida em
Cuba, ele nos dá um panorama mais
completo.
Deveria ser lido por todos esses turistas deslumbrados que voltam de
Cuba, falando maravilhas do que viram no cenário preparado para eles.
Rivero revela um aspecto que ilumina a vida de qualquer país: o interior
de suas prisões.
Uma simples frase de um detento
nos dá a idéia: "Corria o ano de 1988
(fevereiro ou março). Seis longos
anos de férrea incomunicabilidade;
pouco mais de 56.560 horas. Eu não
estava louco".
Os que sobreviveram à loucura, os
intelectuais que criam um ou dois
frangos para viver, um homem que
vive de seu gavião (o pássaro faz
shows), as maravilhosas prostitutas
que aceitam moeda local, é imensa a
galeria de homens e mulheres comuns tentando sobreviver não só na
miséria material mas na miséria política promovida pelo regime.
Além do turismo
Os turistas talvez não encontrem
hoje uma reunião de repulsa, promovida pelo Ministério do Interior.
Mas Rivero as conhece e as descreve
bem. Elas foram importadas da experiência chinesa. Um casal de cientistas que tinha o hábito de conversar até a meia-noite, jogando cartas,
foi estigmatizado pelos revolucionários e tiveram que expor um cartaz
no pescoço, chamando-os de porcos
burgueses.
Quando os comunistas falam de
repressão sofrida pela direita, tendem a produzir heróis de nervos de
aço. Os sobreviventes dessa longa
opressão de Fidel Castro são pessoas
comuns, apenas lutando pelas calorias necessárias, vivendo seus amores, ajudando-se no infortúnio.
A crônica sobre as prostitutas é
que mais me tocou. Há humor, sensualidade, mas sobretudo uma visão
clara da grandeza humana. O título
"Bem-Aventuradas as que Cobram
em Pesos" já revela a simpatia dessas
mulheres que se dedicam aos cubanos e seus pobres presos. O diálogo
de uma delas com o autor, nos coloca diretamente nas noites pobres de
Havana: "Eu cobro pelo tempo completo 100 pesos e, de cara, a despesa.
Se é uma coisa rápida (não vá escrever punheta, nem chupada, escreva
os nomes finos que vocês usam) peço 20 pesos e estamos conversados".
O livro de Rivero, com seus presos
políticos, seus assassinos comuns,
suas jineteras (nome dado às putas),
seus jornalistas tentando escrever a
verdade, é um grande desafio ao regime cubano. Anos de fuzilamento,
repressão, tortura, vigilância extrema, não conseguem apagar os vestígios da vida, ela floresce nas esquinas, nos espaços proibidos. Um deles é a casa de uma negra que aluga
para jogadores. Eles jogam e deixam
algum dinheiro com ela. Para manter o esquema, ela suborna um oficial de polícia que é louco para transar com ela. Cada vez que recebe a
grana, ele reclama. E diz que a caixa
que queria encher era outra.
Quando todo esse material ficar
conhecido, o trabalho dos resistentes intelectuais cubanos, dos quais
Raúl Rivero, o maior poeta do país, é
um expoente, é muito provável que
estejamos diante de um grande momento. Para além dessa carcaça romântica de homens barbudos fumando charuto, a força vital dos latinos conseguiu deixar para a humanidade um grande legado.
Vamos rezar para que não só os turistas mas setores políticos importantes do Brasil tomem conhecimento dessa realidade. Não é possível que queiram permanecer nessa
pobreza de visão, produzida pelos
opressores, uma visão que multiplica pelo mundo a grande sombra que
reina sobre a ilha.
Provas de Contato
256 págs., R$ 36,00
de Raúl Rivero. Tradução de José Rubens Siqueira. Ed. Barcarolla (av. Pedroso de Moraes, 631, 11º andar, CEP 05419-000, São
Paulo, SP, tel. 0/xx/11/ 3814-4600).
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