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Entrevista Paulo Cunha

Brasil necessita de um amplo projeto nacional

Sociedade precisa apoiar plano para tirar do "relento" a indústria do país, defende presidente do conselho do grupo ultra, 3º maior faturamento entre as companhias nacionais

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Dia desses, remexendo no fundo de um armário, Paulo Cunha ficou emocionado. Achou o seu macacão cinza da Petrobras, a roupa que ele usava quando trabalhava na refinaria Duque de Caxias em meados da década de 1960. Iniciava sua vida profissional: tinha entrado por concurso público na estatal que ainda engatinhava.

De lá foi recrutado para trabalhar no Grupo Ultra, onde acabou virando presidente. Hoje comanda o conselho de administração da companhia, a terceira em faturamento entre as empresas privadas do país. Líder de uma geração de empresários, ele encarna a defesa da indústria nacional. Aos 71 anos, não esconde o desapontamento com as políticas que levaram o país a se desindustrializar nas últimas décadas.

O tripé que reunia empresas estatais, estrangeiras e nacionais -que serviu de sustentação à industrialização por décadas e que Cunha acompanhou por dentro- foi desmontado. O país se voltou mais para a exportação de matérias-primas e produtos agrícolas e deixou ao relento a produção manufatureira -tradicional geradora de empregos, renda e tecnologia.

"Faltou visão, projeto, coragem. Dançamos", desabafa ele. Mas o processo é reversível. "É preciso uma conspiração para o bem. Estruturar um projeto com adesão da sociedade", defende. Para isso é essencial mexer em câmbio, juros e mudar a inserção do Brasil no mundo.

Cunha quer que o Brasil produza itens com tecnologia, maior valor agregado: "Precisamos vender para os ricos", resume à Folha durante entrevista nesta semana na sede do grupo na avenida Brigadeiro Luís Antônio, no centro de São Paulo. Aqui um resumo dos seus pontos de vista.

Crise internacional

Vai piorar na Europa. A tensão política nas ruas vai crescer. Não há solução instantânea. É da natureza dos mercados, que foram muito além do que deveriam ir. A economia desregulada formou uma nuvem financeira de valor muito superior ao do mundo real. Vai haver perda. O mercado financeiro precisa devolver o que achou que ganhou. Vai haver destruição de riqueza. Isso pode acontecer de forma organizada ou desorganizada. A Europa vai digerir isso nos próximos dez anos.

China

O modelo de ser máquina de exportação se esgotou. A Europa não vai poder comprar. Os chineses vão precisar virar a economia para o mercado interno e já estão planejando isso.

Estados Unidos

Estão bem. A desvalorização da moeda está permitindo a recuperação industrial. Está em curso um renascer como potência industrial. Nós é que bobeamos. Eles têm uma capacidade extraordinária de inovação. Têm as melhores escolas de engenharia no mundo e são excelentes em ciências físicas e exatas.

Brasil

Não há problema com a desaceleração, se ela for suave. Os juros deveriam cair ainda mais. O Banco Central melhorou muito no governo Dilma Rousseff. É mais realista, mais pragmático e objetivo. Deixou a religião [ortodoxia] de lado. Toda religião é um diabo.

Desindustrialização

Foi muito forte. Pode ser revertida. Mas a reversão não é instantânea e não tem milagre à vista. A competitividade da indústria depende da competitividade do país. Hoje a estrutura do país não é competitiva. Basta olhar portos e aeroportos. Projetos estão trancados, parados, obstruídos. O porto de Santos, por exemplo, é ridículo.

Razões da queda industrial

O principal problema é a taxa de juros, que puxou o câmbio. Tornou a indústria artificialmente não competitiva. Há também o problema da tributação. Parece que existe um operador maluco de videogame que mira aquele que quer produzir e pá-pá-pá-pá: mete imposto. Há uma descompetitividade artificial promovida por juros e câmbio. É o populismo cambial que existe há vários governos.

Empresário nacional

Antes havia simpatia pela indústria. Havia vibração quando se nacionalizava um pistão da Volkswagen. É só andar por São Bernardo para ver tudo de bom que a indústria fez por lá. Mas foi perdida a consciência da importância da indústria. Ela ficou diluída na imagem do regime militar, pela proximidade entre governo e empresas. Houve uma reação contra aquilo que aconteceu no regime militar e contra o empresário nacional, que acabou sendo criminalizado.

Reação empresarial

Criamos [em 1989] o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). Foi um esforço para discutir essas questões e interagir com o governo. Foi gasto dinheiro, tempo, trabalho. Influiu muito pouco. Pois era a época do reinado absoluto do "laissez-faire". O mercado ficou solto.

Brasil no mundo

O Brasil se integrou mal no mundo. A Alemanha do pós-Guerra, por exemplo, teve uma política cambial favorável. Investiu no seu parque industrial e na exportação. O mesmo fizeram o Japão e, depois, a China. O Brasil fez o contrário. Integrou primeiro o capital financeiro e depois o lado comercial. Dançamos. Faltou visão, projeto, coragem. Faltou um projeto de inserção no mundo. Mas isso não se faz de forma simplista, improvisando. Não se resolve com pensamento mágico. O Brasil perdeu sofisticação.

Saídas

É preciso uma conspiração para o bem, de pessoas que se sensibilizem e comecem a falar articuladamente.

Estruturar um projeto com adesão da sociedade brasileira. Fazer uma conspiração sob a luz do dia, iluminada pelo sol, transparente.

O que fazer

Primeiro é preciso parar com a hesitação de se aliar com pobre. Pobre com pobre dá mais pobreza. A integração Sul-Sul deve existir, mas não como prioridade. Precisamos vender para os ricos. É preciso saber como se vende, o que o rico compra. São produtos com mais tecnologia. É preciso construir essa indústria para integrar o Brasil no mundo nesse patamar. A indústria de base está investindo pouco em inovação e expansão. Tem que fazer as coisas bem feitas. O Brasil tem base empresarial para isso. Há também uma janela demográfica para desenvolver esse projeto.

Lado bom

A qualidade de governança nas empresas melhorou muito. Os brasileiros estão se educando, fazendo um esforço comovente. Trabalham o dia inteiro e estudam à noite. Isso me dá esperança. A Rocinha é um bom exemplo.

Educação

Sinto culpa por não ter despertado antes para a questão. Muitos têm que se penitenciar por isso. Há muitas boas iniciativas em andamento. A educação entrou no imaginário brasileiro.

Pessoas a elogiar

José Mariano Beltrame, secretário de segurança do Rio de Janeiro, e Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça.

Petrobras

Faz coisas extraordinárias, como o pré-sal, que vai mudar o Brasil, para o bem ou para o mal. Será um desastre se a receita for consumida em salários, aposentadorias. A Petrobras está desproporcional no Brasil. Em termos estratégicos é complicadíssimo. Ela quer pegar tudo que puder ("catch all"): energia, gás, petróleo etc. Um monopólio em expansão. Não é funcional. O capitalismo não funciona sem competição. Nenhum empresário gosta de competição, mas ela é necessária.

BNDES

Está bem. O Grupo Ultra não tem financiamento do BNDES.

Bancos no Brasil

São muito sólidos. O sistema é disfuncional para o desenvolvimento da indústria, pois não foram desenvolvidos mecanismos de logo prazo, mercado de capitais etc. Mas isso vai mudando devagar. Como o Brasil: vai na direção certa, mas muito devagar.

Grupo Ultra

É a terceira companhia privada brasileira em faturamento, atrás da Vale e do JBS-Friboi. Tem um faturamento anual de US$ 30 bilhões. A governança corporativa está ligada à perpetuidade do grupo. As famílias, executivos e ex-executivos (antigos membros do bloco de controle), têm 23% das ações. De 1998 a 2010 o lucro líquido cresceu 27% ao ano. As ações se valorizaram 20% neste ano. O objetivo é crescer, também com aquisições, e aumentar a presença no exterior. No México já temos 30% do mercado.

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