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John Gapper

Contra a censura às agências

A crise das dívidas não é motivo para que os políticos da eurolândia ditem regras para as agências agirem

A despeito das críticas que as agências de classificação de crédito vêm sofrendo nos três últimos anos -boa parte das quais justificadas-, alguém na Standard & Poor's parece ter mantido o senso de humor.
Depois da rejeição de uma proposta insensata da Comissão Europeia para que alguns rebaixamentos de classificação não fossem divulgados em "momentos inapropriados", a S&P alertou 15 países-membros da zona do euro quanto a possíveis rebaixamentos apenas horas antes que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciassem a nova abordagem que seus países pretendem adotar quanto à crise. Seria difícil agir em momento menos apropriado.
Desconsiderada a falta de tato, no entanto, não consigo ver o que a S&P fez de errado. A falha das agências na crise financeira de 2008 foi terem conferido aprovação indevida aos títulos hipotecários de alto risco ("subprime") e em seguida rebaixá-los de forma apressada.
Onde está o erro, desta vez? No fato de que Alemanha e França talvez não devessem ter classificações AAA, desde o começo? Tendo se queixado tão ruidosamente de que as agências traíram os interesses dos investidores que confiavam em suas avaliações ao serem gentis em excesso com as instituições emissoras de títulos que as pagavam pelo serviço de classificação, é hipocrisia da parte dos governos exigir tratamento diferenciado.
Há problemas nas agências de classificação de crédito. As três grandes -S&P, Moody's e Fitch- continuam a dominar o segmento, e tanto os mercados como os bancos centrais e as agências regulatórias tendem a aceitar com seriedade excessiva seus pronunciamentos.
Elas também adotam um modelo de negócios sujeito a conflito de interesses, sob o qual as classificações têm por objetivo orientar os investidores, mas quem as paga são as companhias emissoras de títulos, e alguns governos. Os esforços de reforma para eliminar os incentivos que conduzem a classificações positivas demais para certos papéis não tiveram grande efeito até hoje.
Mas regulamentação excessiva seria a resposta errada, e teria o efeito perverso de dificultar a entrada de novas empresas no setor, fortalecendo os atuais líderes. Se os políticos e banqueiros centrais europeus zangados não prestarem atenção, encorajarão uma reação como essa. O melhor que podem fazer para impedir que as agências de classificação de crédito exerçam poder demasiado é deixar de promovê-las.
Se os políticos não desejam que os investidores critiquem suas ações, deveriam deixar de tomar dinheiro emprestado. Tudo que a S&P e as demais agências de classificação de crédito fazem é oferecer uma opinião sobre a probabilidade de que os títulos públicos de um dado país sejam pagos, e essa é uma atividade legítima. Os emitentes de títulos pagam pela classificação porque, em longo prazo, isso alarga a disponibilidade de investidores.
O que está em questão é a competência das agências na avaliação, e a intervenção da S&P sugere grau valioso de independência ante os emitentes -no caso, os governos- e disposição para correr riscos. A S&P vem alertando sobre o risco de calotes na Europa desde que rebaixou os títulos gregos pela primeira vez, em setembro de 2004, e é difícil dizer que isso tenha representado um mau juízo, a esta altura.
A S&P confere mais peso que a Moody's ao risco político -a disposição das autoridades quanto a pagar, e não sua capacidade de fazê-lo. Afirmou que a governança norte-americana havia se tornado "menos estável, menos efetiva e menos previsível" ao retirar a classificação AAA dos títulos do Tesouro norte-americano, em agosto. Quem quer que esteja acompanhando a disputa pela candidata presidencial republicana pode observar o fato.
Não existe motivo para que os políticos da zona do euro tomem a crise das dívidas nacionais como justificativa para ditar como as agências devem operar. De fato, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Conselho de Estabilidade Financeira sugeriram o oposto: que os bancos centrais e autoridades regulatórias deixem de incluir as classificações de crédito positivas como requisito em suas decisões políticas.

JOHN GAPPER é jornalista do "Financial Times", jornal em que este texto foi publicado originalmente.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci

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