Entrevista George Soros
Incentivo fiscal pode tornar filantropos os bilionários do Brasil
MEGAINVESTIDOR DIZ NO RIO QUE TRIBUTOS SERVEM PARA DISTRIBUIR RENDA E DEFENDE ISENÇÃO DE IMPOSTOS PARA RICOS QUE FIZEREM DOAÇÕES
Megainvestidor e filantropo de peso, George Soros, 84, esteve no país na semana passada para inaugurar o primeiro escritório de sua fundação na região, a Open Society.
Dirigido por Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça (2011), o braço latino americano da entidade filantrópica recebeu investimento de cerca de R$ 106 milhões, pequena parte dos mais de R$ 2,5 bilhões gastos pela fundação só em 2014.
Dono da 29ª maior fortuna do mundo (US$ 24,2 bilhões), Soros se afastou da administração dos fundos de investimento nos quais fez fama e fortuna. Está mais interessado em promover a caridade e aperfeiçoar sua teoria filosófica que, diz, sempre guiou seus negócios e suas doações.
Em entrevista à Folha, Soros explicou por que investe em temas polêmicos, como a legalização das drogas, e disse que o Brasil precisa de legislação favorável para ver seus bilionários dividirem parte das riquezas.
Folha - O sr. é um dos maiores investidores e filantropos do mundo. Mas a imagem do capital especulativo não combina com a ideia de altruísmo.
George Soros - Eu era um administrador de fundos bem-sucedido, mas não podia dispor daquele dinheiro. Tinha só de multiplicá-lo. Quando tive dinheiro suficiente para fazer filantropia, o fiz.
Filantropia não é apenas uma maneira de limpar a barra de negócios que causam danos?
Muitas vezes, é o que ocorre. Mas não acho que tivesse nada para limpar via filantropia. Tenho uma filosofia que me guiou em ganhar dinheiro e em usá-lo para filantropia.
Que filosofia é essa?
Fui orientado pelo filósofo Karl Popper [1902-1994] e por suas ideias a respeito do pensamento crítico e do fato de que nosso entendimento da realidade é sempre imperfeito. Passei a confrontar a teoria econômica que prega eficiência dos mercados e expectativas racionais. Assim como questiono a divisão entre política e economia, que são conectadas de forma reflexiva.
O tipo de mercado financeiro que temos é grande fonte de incertezas porque não é perfeito nem estável. Mas precisamos tomar decisões. E isso gerou o tripé no qual é baseada minha filosofia: incerteza, falibilidade e reflexividade.
Mas o que essa filosofia tem a ver com filantropia?
Essa filosofia faz com que eu esteja atento à natureza insolúvel de muitos dos problemas do mundo, que emergem das contradições da sociedade contemporânea, mas que podem ser ajustados.
Por exemplo, não se pode ter privacidade absoluta nem atingir segurança absoluta contra o terrorismo. É preciso fazer acordos para reconciliar uma coisa a outra.
A Open Society Foundations foi criada para se envolver naquilo que eu considero serem os principais problemas que afetam a humanidade e atingem especialmente as pessoas mais vulneráveis, que já são as que mais sofrem.
Seus críticos dizem que você teria uma agenda secreta no debate sobre legalização das drogas. Qual é seu interesse?
Acho que dependência de drogas é um problema insolúvel porque, de alguma maneira, é inerente à natureza humana. Nem todo o mundo se torna dependente de drogas, mas algumas pessoas, sim. E eu não conheço a solução para isso, mas sei que a guerra às drogas, que trata aqueles que sofrem de dependência como criminosos, tem causado mais danos do que a dependência em si.
Um dos objetivos da fundação é o que chamamos de redução de danos. Nesse caso, apontamos os efeitos danosos da guerra às drogas.
Quais os avanços nesse tema?
Acho que a legalização da maconha está praticamente assegurada nos EUA. Já ocorreu em três Estados e deve irradiar para o restante do país.
Qual é o próximo passo?
Temos que fazer algo a respeito das chamadas drogas pesadas, para as quais a legalização parece não se aplicar. Nesse caso, a descriminalização parece ser uma boa resposta: distinguir quem usa de quem vende, explorando a fraqueza dos dependentes, que são mais vulneráveis porque são tratados como criminosos quando são vítimas.
Bilionários brasileiros fazem doações para a Harvard e para o MoMA (NY), mas não praticam filantropia aqui. Por quê?
Acho que é por causa da estrutura fiscal do Brasil. Nos EUA, eu posso doar metade do salário para filantropia e abater do Imposto de Renda. O dinheiro que iria para a Receita acaba indo para a filantropia, o que é uma grande indução à doação. Os impostos pesados sobre heranças também podem ser doados para filantropia. Tenho a impressão de que o Brasil precisa de uma legislação similar.
Haverá um número maior de bilionários brasileiros inclinados à filantropia se houver legislação favorável. O Brasil poderia aumentar impostos sobre heranças, dando isenção para quem doar esse montante para filantropia. Taxas e impostos devem servir para redistribuir renda.