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Roberto Rodrigues

Vitória do bom-senso

As sementes transgênicas já são plantadas em 29 países, por cerca de 15,4 milhões de agricultores

Nos primeiros meses de 2003, logo após a posse do presidente Lula no seu primeiro mandato, alguns temas ligados ao agro geraram polêmicas apaixonadas no interior do próprio governo. Talvez o mais complexo tenha sido o uso de sementes geneticamente modificadas, que permitia um custo de produção menor para a soja, além da economia de diesel, água, defensivos etc.

Mas estavam proibidas no Brasil. No entanto, já havia uma área de 3,3 milhões de hectares cultivados com a soja "Maradona", contrabandeada da Argentina, equivalente a 18% da área plantada com a leguminosa no Brasil.

Não era possível fingir que isso não existia, como vinha ocorrendo até então, e o governo, depois de muita discussão, acabou emitindo uma MP que permitia a comercialização da soja, mediante um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) que obrigava os produtores a uma série de ações de caráter técnico e legal.

Mas era necessário resolver o assunto de uma vez por todas, com uma lei sobre biossegurança. Diferenças profundas de visão dentro do governo e do Congresso, no entanto, retardaram a formulação da lei, com posições radicalizadas sem base científica.

Com isso, chegamos a janeiro de 2004 já com 4,7 milhões de hectares plantados com a soja RR, um crescimento de 42% sobre o ano anterior, apesar das ameaças que pesaram sobre os produtores que haviam assinado o TAC: a economia e o mercado falaram mais alto e o governo, mostrando bom-senso, prorrogou a MP do ano anterior, para não deixar ninguém na ilegalidade.

Por fim, os cientistas entraram com vigor no processo, liderados pelo grande geneticista Ernesto Paterniani, professor da Esalq-USP, que convenceu alguns membros do governo ainda reticentes e fortaleceu a posição técnica de parlamentares apoiadores da transgenia.

E surgiu a lei 11.105, em 24 de março de 2005, chamada Lei de Biossegurança, que resolveu a questão igualmente polêmica das células-tronco e deu grande segurança a todo o sistema. A lei é tão boa, tão exigente nas condições para liberar uma nova variedade transgênica, que outros países se espelharam nela para avançar.

Como estamos hoje? As sementes transgênicas já são plantadas em 29 países, por cerca de 15,4 milhões de agricultores. Em 15 anos, desde seu lançamento, a área com sementes geneticamente modificadas cresceu 87 vezes no mundo todo, a uma taxa de 38% ao ano. O Brasil já é o segundo maior país usuário, atrás apenas dos Estados Unidos, e neste ano já tem 31,8 milhões de hectares cultivados, segundo dados da consultoria Céleres.

E não apenas com soja, cuja área transgênica neste ano é de 21,4 milhões de hectares, correspondendo a 85% de toda a área de soja cultivada: já temos 9,9 milhões de hectares de milho (67% da área total) e 0,5 milhão de hectares de algodão, cerca de 32% do total, embora a liberação das sementes de milho tenha apenas quatro anos e as de algodão, seis anos.

No mundo todo, 81% da soja já é transgênica, 64% do algodão e 29% do milho. E a disputa acabou, uma vez que as demais empresas do setor -inclusive a Embrapa- já dominaram a tecnologia e lançaram seus próprios produtos.

Acredita-se que nos próximos dez anos, só no Brasil, a tecnologia poupará mais de 130 bilhões de litros de água, 1 bilhão de litros de óleo diesel e emitirá menos 3 milhões de toneladas de CO₂, beneficiando todos os brasileiros.

Mas o que vem pela frente é muito mais: não serão apenas novas variedades resistentes a defensivos: serão resistentes a pragas e moléstias, serão resistentes à seca e à geada, serão enriquecidas com valores alimentícios, especialmente proteicos, e tudo isso permitirá o cultivo de plantas geneticamente modificadas em áreas onde hoje não é possível por condições climáticas adversas. E comida mais barata será oferecida às populações carentes, melhorando a alimentação.

Já existem hoje insulina transgênica, vacinas para animais domésticos contra doenças insidiosas, leveduras e muito mais.

Felizmente, prevaleceu o bom-senso, apesar dos duros discursos iniciais.

ROBERTO RODRIGUES, 69, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 14 dias, nesta coluna.

rr.ceres@uol.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Samuel Brittan

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