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Maria Inês Dolci

Teimosia no SAC

Quando as empresas vão entender que o reclamante não é inimigo, mas alguém que confiou e foi logrado?

O telemarketing continua desafiando a paciência dos brasileiros. São ligações nos horários mais impróprios para a oferta de um serviço ou produto não solicitado. As empresas invadem sua privacidade, seu descanso ou seu lazer.

Se a situação fosse somente essa, já seria desagradável, invasiva e até desrespeitosa. Mas, em relação aos callcenters, há muito mais do que reclamar.

Uma amiga recebeu, outro dia, várias chamadas telefônicas de uma vendedora. Ela falava em nome de uma operadora de TV por assinatura. Foi atendida a primeira vez e recebeu a informação de que não, não havia interesse no serviço ofertado.

Ao insistir, lhe foi enfatizado que aquele número de telefone fixo estava bloqueado para ligações de telemarketing. Sim, sua proprietária havia feito o cadastro no Procon-SP, mas isso não inibiu essa nem outras ligações recebidas.

Sei que a área de telemarketing é responsável por muitos empregos mais de 1 milhão, segundo estimativas recentes. Mas esse fato não justifica abusos na prestação desse serviço.

No telesserviço receptivo, ou seja, no atendimento às reclamações e solicitações dos consumidores, há outro tipo de infração constantemente cometida: a negativa em fornecer o histórico das conversas telefônicas do cliente.

A manutenção das gravações dos consumidores por, no mínimo, 90 dias, é obrigatória em companhias que atuem em setores regulados pelo governo (como telecomunicações, planos de saúde, transportes e financeiro). A determinação consta da regulamentação do Serviço de Atendimento ao Consumidor, mais conhecida como Lei do SAC, de 2008.

Quem necessita obter o histórico de suas ligações, contudo, padece da teimosia das empresas, que orientam os funcionários do callcenter a não ceder as gravações aos clientes. Assim, o consumidor perde um importante instrumento para comprovar que não contratou determinado empréstimo ou pacote de serviços.

Para mudar esse quadro, é indispensável que não aceitemos as negativas das empresas. Caso elas não forneçam o registro gravado das ligações, caro leitor, entre em contato com órgão de defesa do consumidor público ou privado, denuncie nas redes sociais, faça barulho.

Além disso, temos de divulgar a familiares, colegas, amigos e vizinhos que esse é um direito, não um favor que deveremos solicitar. Não só isso, mas também não podemos aceitar enrolação quando fizermos uma reclamação, nem que nos joguem de um operador para outro. Muito menos que nos deixem ouvindo uma musiquinha sem graça por vários minutos.

A regulamentação dos SACs foi importantíssima para melhorar a vida de todos nós, pois, antes dela, havia a "lei da selva", ou seja, dependíamos da boa vontade das empresas na hora de cobrar nossos direitos.

Não porque eles não estivessem assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas porque quem podia mais chorava menos.

Foi colocada ordem na casa, mas as empresas teimam em não seguir o que está definido em lei. E a maior resistência é em disponibilizar os registros de voz das chamadas telefônicas, talvez porque demonstrem os desrespeitos cometidos nas relações de consumo.

Quem não deve não teme, diz o velho ditado. Ora, se não houvesse certeza do, digamos, erro no atendimento, por que as empresas negariam as gravações das conversas com aqueles que reclamam dos serviços? Isso, aliás, configura uma confissão de que o consumidor estava certo em suas argumentações.

Quando as empresas entenderão que o reclamante não é um inimigo, e sim alguém que confiou naquela companhia, na tradição da marca ou na boa reputação daqueles produtos e serviços, e foi logrado?

Reverter isso, reconhecer o erro e pedir desculpas é o mínimo que devem fazer, até para reduzir o impacto do dano provocado por descaso, por desatenção ou por má-fé.

A hora da verdade empresarial é essa. Quem falha nesse momento pode perder tudo que conseguiu ao longo de anos. Por que correr esse risco?

MARIA INÊS DOLCI, 57, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

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