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Entrevista Luiz Sandoval

Caixa queria acordo porque Silvio Santos era dono de TV

Ex-braço direito de Silvio Santos conta que governo queria aproximação com empresário

FLÁVIO FERREIRA
JULIO WIZIACK
TONI SCIARRETTA
DE SÃO PAULO

Inocentado pela Polícia Federal pelo crime de maquiagem de balanço e de lavagem de dinheiro no inquérito que investigou as fraudes contábeis no PanAmericano, Luiz Sandoval revela, pela primeira vez, detalhes de como o escândalo abalou o grupo e da forma como o empresário Silvio Santos conduzia os negócios. "Fui roubado?", perguntou Silvio. "Sim, foi", disse.

Sandoval afirma que o apresentador se negou a colocar o próprio dinheiro para salvar a instituição em 2008. Disse que, descoberto o rombo de R$ 4,3 bilhões, Silvio pediu a interferência do ex-presidente Lula no caso.

Ex-presidente do Grupo Silvio Santos, Sandoval é defendido pelo advogado Alberto Toron para se livrar das acusações de envolvimento em pagamento ilegal de bônus (ele nega ter autorizado) e de formação de quadrilha.

Folha - A Polícia comprovou que o sr. não participou da maquiagem de balanço. Mas o sr. soube desse esquema?
Luiz Sandoval - Só soube em setembro de 2010, quando levei o Silvio Santos para conhecer a Maria Fernanda Coelho, então presidente da Caixa, que já tinha comprado 36% do PanAmericano.
Naquela reunião, o Silvio disse para a Maria Fernanda que a Caixa tinha ganhado um dos maiores executivos do mercado, referindo-se a Rafael Palladino [então presidente do PanAmericano].
Saindo de lá fui para o banco, onde o Rafael começou a falar de erros de "parametrização contábil" descobertos pelo BC. Já fui contador e nunca tinha ouvido falar naquilo. Pedi para chamar o contador e ele disse sem enrolação: tinha criado uma contabilidade paralela para não deixar o patrimônio do banco negativo.
Perguntei se ele sabia que tinha cometido um crime financeiro. Ele me respondeu que cumpria ordens.
O Wilson de Aro [ex-diretor financeiro] bateu no peito e assumiu que tinha feito aquilo para salvar o banco.

E precisava ser salvo?
No auge da crise de 2008, o PanAmericano correu o risco de quebrar e precisava de R$ 300 milhões. Quando fiquei sabendo, liguei para o Silvio, expliquei que banco não pode ter caixa nem patrimônio negativos e pedi que aplicasse, pessoalmente, R$ 300 milhões. Ele recusou. Se o banco quebrasse, o grupo quebraria junto. Consegui R$ 180 milhões no mercado, pagando juros que, à época, foram de 180% do CDI [os bancos pagavam 115%]. Pisaram na nossa garganta!

O Silvio participava das decisões do banco?
Nem ele nem eu. Como presidente do grupo, eu acompanhava pelos relatórios e auditorias. O Silvio participava quando interessava.
Uma vez ele deu uma entrevista afirmando que estava muito doente e que iria morrer. A brincadeira causou uma corrida ao PanAmericano! Foi um desespero. Tive de obrigar o Silvio a se explicar.

Por que o Silvio não apostava em seu próprio banco?
Ele sempre foi o homem do carnê. Se a pessoa não pagasse, ele não entregava. O banco era um negócio que oferecia risco e o Silvio morria de medo de inadimplência.

Como foi a negociação com a Caixa e com o governo?
Em fevereiro de 2009, a situação do PanAmericano era muito grave e precisávamos encontrar um sócio. O Silvio pediu para eu procurar o Lázaro Brandão, do Bradesco. Mas o banco não se interessou. Aí fui à Caixa.

Por que demorou tanto?
Demorou mais do que o Silvio gostaria. Ele tinha pressa e me pressionava. Para tranquilizá-lo, o Márcio Percival [presidente da Caixapar] marcou um encontro com o ministro Guido Mantega [Fazenda]. O ministro garantiu que o negócio interessava ao governo e que iria sair.

Por que o governo tinha interesse no PanAmericano?
Muitos bancos menores tentaram ter a Caixa como sócia. Mas que banco tinha Silvio Santos como dono? Isso deixou a Caixa com olhos grandes. A Caixa também teria anúncios no SBT desfrutando dos mesmos descontos dados às empresas do grupo.

A Caixa nunca suspeitou das fraudes? Como ficou sabendo?
Acho que não. Quando descobri, liguei no mesmo dia para o Márcio Percival. Ele ficou atordoado. "E agora?", disse. Tínhamos vendido gato por lebre para a Caixa.
Houve um episódio estranho durante as negociações. Em uma das várias reuniões, a Caixa pediu que fosse criada uma diretoria de risco no banco. Palladino foi contra.

A diretoria foi criada?
Sim.

Então a Caixa estava de fato dentro do banco.
A Caixa colocou dois diretores no PanAmericano desde que efetuou o primeiro pagamento, em dezembro de 2009. Mas eles só oficializaram a entrada após a anuência do BC [outubro de 2010].

Qual foi a posição da Caixa após o rombo?
Quando o rombo veio a público, a Caixa pediu que o Silvio cobrisse. Pedimos um empréstimo, dando os ativos do grupo em garantia.

E como o Silvio foi informado?
Tentei avisar o Silvio no mesmo dia em que fiquei sabendo, uma quinta-feira, mas ele só quis nos receber no sábado, após a gravação do programa. Fomos até o SBT. O Silvio não entendeu nada e perguntou: "Eu fui roubado?". Respondi que sim e, surpreendentemente, o Rafael Palladino ficou calado.

O que o Silvio fez?
Ele é um sujeito frio. Pediu uma solução até a segunda-feira. Depois começou a receber diretores envolvidos na fraude, isoladamente, em sua própria casa. Palladino foi o último e não sei o que falaram. Só sei que hoje ele é chamado de Judas pela família. Antes, era o queridinho.

Mas e a solução?
Silvio pediu que eu procurasse novamente o Bradesco. O banco me aconselhou a não procurar nenhum outro banqueiro. Acho que para não espalhar a situação... Logo depois, o Silvio pediu para que eu procurasse o FGC [Fundo Garantidor de Créditos].

O encontro de Silvio Santos com Lula tinha a ver com isso?
A conversa de que o Silvio tinha ido até lá para pedir uma participação dele no Teleton foi um discurso para a imprensa. Ele foi lá pedir a ajuda do presidente.

Funcionou?
Quando cheguei lá [no FGC], tive a sensação de que o acordo já estava pronto. Só negociei as condições.

Como o sr. acha que o grupo fica sem um banco por trás?
Menor. Depois desse episódio, o Silvio decidiu que pretende ficar só mesmo com o SBT. Ele tem 80 anos, eu entendo. Ele vai manter a Jequiti e uma ou outra empresa. Eu saí porque não concordava.

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