Índice geral Mercado
Mercado
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Mario Mesquita

V, L ou U?

Há razões para supor que, desta vez, a trajetória da economia esteja mais próxima do formato de U

Imagens geralmente têm mais impacto do que palavras. Sendo assim, os observadores da conjuntura econômica frequentemente lançam mão de símbolos para descrever a trajetória esperada de certas variáveis.

Em 2009, era comum observar discussões sobre qual letra do alfabeto serviria melhor para descrever a rapidez da recuperação da economia brasileira após o choque do final do ano anterior.

Os mais otimistas esperavam uma trajetória de "V", os terminalmente pessimistas, de "L", enquanto aqueles com visão intermediária acreditavam em uma trajetória em "U".

A visão do primeiro grupo acabou se mostrando mais precisa. A recuperação rápida, em forma de V, observada em 2009, ficou na memória e de certa forma condicionou as avaliações feitas sobre o que esperar da economia brasileira na saída da desaceleração de 2011.

Mas há razões para supor que, desta vez, a trajetória da economia, ainda que um tanto melhor do que o pessimista L, esteja mais próxima de um formato de U. Em primeiro lugar, porque a desaceleração inicial foi mais suave, não houve a primeira perna do V.

Mais importante, embora a economia mundial possa estar mais próxima de uma retomada consistente do que em 2009, há restrições domésticas à reaceleração da economia.

Do lado da oferta, observa-se que mesmo com uma estagnação econômica que já dura três trimestres (a economia vem crescendo ao ritmo de pouco mais de 1% ao ano desde o segundo trimestre de 2011), a taxa de desemprego, ajustada por fatores sazonais, se encontra próxima da mínima histórica de 5,5%, ante 8,5% em janeiro de 2009.

Essa diferença de três pontos percentuais sugere que o mercado de trabalho segue operando no limite. Nessas condições, as pressões de custos laborais devem seguir elevadas. Isso pressiona a inflação do setor de serviços, de longe o maior da economia, e acaba contaminando os salários da indústria, que padece de baixa competitividade.

Nesse contexto, reduções adicionais da taxa de desemprego podem ter efeito bem limitado sobre o produto, e mais pronunciado sobre a inflação.

Sob o ponto de vista do mercado de trabalho, o grau de ociosidade da economia pode se mostrar mais restrito do que apontam outros indicadores, que são mais relevantes para medir a folga na indústria.

Pelo lado da demanda, há fatores conflitantes. Do lado do crédito, por um lado o governo, por meio dos bancos públicos, lançou um programa de ampliação da oferta e de redução de "spreads" bancários que deve ter efeitos expansionistas.

Por outro, é fato que o grau de endividamento das famílias segue elevado, acima de 42%, cerca de dez pontos percentuais acima do patamar observado no início de 2009.

É verdade que o comprometimento com o serviço da dívida tem ficado em 22%, tendo apresentado incremento modesto ante os quase 19% observados no início de 2009, mas aparentemente com maior efeito sobre o apetite pela tomada de crédito.

A propósito, podemos estar observando a aproximação de certos limites mais estruturais ao crescimento dos empréstimos -um limitador pode ser o acesso ainda restrito da população ao crédito imobiliário, no qual as prestações médias, dado o valor mais elevado dos financiamentos, tendem a ser maiores do que no caso dos bens duráveis.

Uma recuperação gradual não significa estagnação continuada. Mesmo com os condicionantes ambíguos citados acima, a expansão da renda, bem como uma possível ampliação do dispêndio do setor público, deve contribuir para a retomada da atividade nos trimestres à frente.

Vale notar, acima de tudo, que os efeitos dos estímulos de política monetária implementados desde agosto passado, que atuam de forma defasada e cumulativa sobre a atividade, só atingirão seu ápice entre o terceiro e o quarto trimestres do ano.

Ainda que com maior gradualismo do que alguns poderiam desejar, em forma de U e não de V, a recuperação virá. O risco maior é a combinação de impaciência com hiperatividade.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.