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Mario Mesquita

Riscos cambiais

Podemos ter surpresas positivas nos índices de inflação a serem divulgados nos próximos meses

As autoridades vêm repetindo com insistência que os riscos inflacionários derivados da depreciação do real são limitados. Tais declarações encontram amparo nas estimativas empíricas, que sugerem um coeficiente de repasse de 6% a 8% no médio prazo -isto é, a depreciação de cerca de 20% ocorrida desde o início de março adicionaria de 1,2 a 1,6 ponto percentual à inflação em um horizonte de 24 meses.

Tendo em vista que as projeções, para tal horizonte, encontravam-se no momento em que a tendência de depreciação se manifestou, próximas a 5%, o efeito do repasse poderia levar a inflação esperada a 6,2% ou a 6,6%, patamares desagradavelmente próximos ao topo do intervalo de tolerância do regime vigente, de 6,5%.

Caso a estimativa existente, extraída de modelos econométricos, seja viesada para baixo, o impacto da depreciação, tudo o mais constante, poderia levar a inflação a exceder o limite de tolerância -o que seria complicado, ainda mais se ocorrer próximo ao período eleitoral.

O ponto é que estimativas empíricas são úteis, mas limitadas e sujeitas a erro. Nesse contexto, vale examinar que fatores podem contribuir para, partindo do cenário básico de 6% a 8%, influenciar para cima ou para baixo o repasse cambial efetivamente observado.

Caso a depreciação cambial seja compensada por redução no preço em dólares dos importados, o repasse seria mitigado. Preços de commodities em queda favoreceriam esse efeito, mas sua trajetória é incerta e depende de diversos fatores fora do alcance das autoridades locais.

As condições monetárias e financeiras locais são determinantes importantes da evolução da demanda doméstica e, consequentemente, do espaço que as empresas teriam para repassar aumentos de custos.

Considerando taxas de juros reais, nas mínimas históricas, as condições monetárias atuais parecem ser mais folgadas do que no início de 2009. Contudo, o mesmo não se pode dizer sobre a expansão creditícia, que rodava próxima de 25% ao ano (ajustando-se pela inflação) naquela conjuntura, ante cerca de 11% atualmente, ainda que com perspectiva de aceleração.

Outros fatores sugerem a possibilidade de que o repasse cambial seja maior do que no passado. Em primeiro lugar, a margem de ociosidade da economia parece ser consideravelmente menor do que a do início de 2009, em especial no que tange ao mercado de trabalho, com a taxa de desemprego abaixo de 6%, ante quase 8% naquela ocasião. As taxas de utilização da capacidade na indústria, ainda que distantes do máximo pós-crise, estão em patamares bem superiores ao observado no primeiro trimestre de 2009.

Cabe notar também que a ancoragem das expectativas de inflação é atualmente mais fraca. No início de 2009, as expectativas de inflação para 2010 e 2011 estavam na meta; atualmente, as expectativas para 2013 e 2014 estão 1,1 e 0,6 ponto percentual acima dela -ancoragem de expectativas inflacionárias menos efetiva suscita risco de que choques de curto prazo se propaguem e se perenizem.

Por último, mas não menos importante, declarações de autoridades sugerindo que o movimento recente trata-se de um ajuste permanente da taxa de câmbio (a despeito de não ter ocorrido um abandono formal do regime de flutuação cambial) apontam na direção de um repasse potencialmente maior, visto que os formadores de preço teriam menos receio em renegociar contratos para refletir uma nova estrutura de custos.

A inflação não é só derivada de mudanças na taxa de câmbio e podemos, de fato, ter surpresas positivas nos números a serem divulgados nos próximos meses -descontos nos preços de automóveis, por exemplo, podem pressionar os índices para baixo em um momento sazonalmente favorável.

Mesmo assim, a preocupação com o repasse cambial procede, e deve ser elemento importante, ainda que não o único, na determinação do balanço de riscos para a trajetória da inflação e, por consequência, das perspectivas para a política monetária no resto do ano e em 2013.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Marion Strecker

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