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Análise

A inflação do tomate não deve passar de um susto passageiro

ANDRÉ PERFEITO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O IPCA de julho não caiu bem para os paladares mais finos. A alta de 0,43% foi a maior nos últimos quatro anos para julho e ainda de quebra reverteu a série de nove quedas mensais consecutivas na variação anual.

Tudo o que o governo não queria ouvir na véspera de um possível aumento da gasolina pela Petrobras.

Só que, se de longe o cheiro assusta, de perto até que não é tão indigesto assim. A alta deste mês foi reedição da inflação do chuchu do Mário Henrique Simonsen. Só que desta vez no prato sai chuchu e entra tomate.

O tomate foi responsável sozinho por mais de 23% da inflação do mês. Ou seja, se não fosse contabilizado, a inflação não seria de 0,43%, mas sim de 0,33%. Um abacaxi e tanto no colo do Banco Central.

Contra esse choque de oferta há muito pouco que se possa fazer. Aumentar a taxa de juros -ou deixar de cortá-la- não mudaria as condições objetivas de oferta da fruta. O clima não reage bem às alterações da Selic.

O susto no grupo alimentação, que além do tomate tem o trigo (que bate no pão francês) e a cenoura como vilões, deve ser passageiro.

A alta de muitas commodities agrícolas foi um surto pontual e em grande medida incorporado aos preços. O preço do trigo negociado em Chicago, por exemplo, subiu de meados de junho até meados de julho 45% em dólares; de lá pra cá já caiu 5%.

A outra fonte de incômodo na inflação recente tem sido o aumento do salário de empregados domésticos.

Esse assunto traz um tempero especial à discussão da inflação no país. Em primeiro lugar, a evolução de salários tende a se acomodar com a desaceleração econômica em curso.

O BC não precisa sujar as mãos mexendo na Selic porque a crise já está fazendo esse trabalho para ele. A tendência é que o emprego pare de cair e, com isso, os salários deixem de subir.

A parte incômoda não é essa. Uma questão pertinente é apontar que na estrutura de ponderação do IPCA o item empregado doméstico representa 3,51% do orçamento dessa família hipotética.

Ou seja, variações de salários das camadas mais pobres impactam sobremaneira o IPCA e distorcem a realidade para a maioria da população.

Como vivemos num país ainda muito desigual, a tradicional classe média sempre consumiu muitos empregados domésticos. Mas isso está mudando, o que é salutar. Para ter uma ideia, o peso de empregados domésticos nos EUA é de irrisórios 0,27%.

O IPCA revela, mas também oculta. No prato indigesto que foi a inflação de julho, sugiro comer pelas beiradas.

ANDRÉ PERFEITO é economista-chefe da Gradual Investimentos.

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