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Entrevista - Arthur Sulzberger Jr.

Site em português do 'NYT' respeitará lei de mídia do país

Publisher diz que foco é expansão global e que, apesar do avanço do jornalismo digital, impresso manterá importância

SÉRGIO DÁVILA
EDITOR-EXECUTIVO
NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO

O site em português do jornal "The New York Times", com lançamento previsto para o segundo semestre de 2013, deve respeitar as leis brasileiras. "Absolutamente", afirmou o publisher do jornal e presidente do grupo, Arthur Sulzberger Jr., durante entrevista à Folha na tarde de ontem.

"Estamos cientes da lei", responde ele, quando indagado sobre a exigência da Constituição de que a participação acionária de estrangeiros em empresas de mídia no Brasil se limite a 30%.

"Estamos falando com as pessoas sobre o que isso significa e como podemos atingir nosso objetivo de maneira que siga as exigências legais."

Sulzberger passou três dias em São Paulo, onde participou da 68ª Assembleia-Geral da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), encerrada ontem. Na entrevista, o executivo de 61 anos falou sobre o futuro do jornalismo, o sistema de pagamento (paywall) por conteúdo digital do jornal e a sua sucessão no comando do grupo.

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Folha - O sr. diz que o futuro do jornalismo é global e digital. Vocês estão desistindo do local e do impresso?
Arthur Sulzberger Jr. - De jeito nenhum estamos desistindo do local e do impresso. E por local eu quero dizer mais do que Nova York, mas os EUA, porque isso está na essência do que somos e do que fazemos. E eu penso que o impresso será parte essencial de nosso empreendimento por muitos anos.
Agora, olhando para a frente, conforme crescemos mais globalmente, o digital é o melhor veículo para esse crescimento, porque dá instantaneidade, permite usar ferramentas como vídeo. Mas aquelas são partes cruciais do nosso negócio e não vamos recuar delas.
Enquanto os nossos leitores quiserem o impresso, ofereceremos as notícias e informações no impresso. Mas a nossa capacidade de crescer claramente depende de ser mais internacional e digital.

É correto pensar que o "NYT" está voltando ao coração do seu negócio, quer dizer, ao jornal, depois de décadas de diversificação?
Tínhamos rádios e emissoras de TV e revistas, tínhamos jornais regionais, também um braço digital, About.com, que acabamos de vender... Sim, estamos voltando para o coração do "NYT", do "International Herald Tribune" e do "Boston Globe", jornais com sites muito poderosos e com capacidade para expandir seu alcance.

O sr. acaba de anunciar que um jornalista será o próximo presidente-executivo da The New York Times Company. Isso tem relação com o que acaba de dizer?
O fato de ter experiência jornalística não foi a razão por que contratamos Mark Thompson, mas pelo que ele traz como executivo, de seus anos no comando da BBC. Seu crescimento internacional, que tem sido marcante, é muito como nós nos vemos conduzindo a NYT Co.
Sua habilidade com vídeo é em grande parte o que precisamos levar para os nossos sites. Não precisávamos de alguém que entendesse de jornais, nós temos isso, podemos fazê-lo com facilidade. Precisávamos de alguém com uma visão mais ampla, novas ideias, é por isso que ele se encaixou tão claramente no figurino.

Entrevistamos John Ridding há duas semanas e ele pediu para dizer que chegou ao Brasil primeiro. [risos] Mencionou que foi também o primeiro em paywall poroso e no aplicativo em HTML5.
[risos] Ficamos sempre felizes em ver o "Financial Times" ter êxito. John é meu amigo e faz um trabalho extraordinário no "FT".

Mas como o sr. encara o "FT" nesse futuro global que antevê para o "NYT"? Como um concorrente?
Claro, mas ele é um concorrente saudável. O bom do "FT" é que se pode confiar no seu jornalismo. Tem grandes princípios e os respeita. Esses são os concorrentes que valorizamos e respeitamos.
Da mesma maneira como respeitamos o "Washington Post", porque estamos jogando no... Ambos temos o mesmo objetivo: engrandecer a sociedade coletando e distribuindo notícia e informação de alta qualidade.

Como classifica Rupert Murdoch, do "Wall Street Journal", nesse campo, não o vê como seu concorrente?
Rupert faz sua própria coisa. Há muitos tipos diferentes de concorrente, e ele é certamente um deles.

"WP", "El País" e "Guardian", jornais que não têm paywall, atravessam tempos difíceis, com demissões e até greve. O sr. vê futuro para os jornais que não cobram?
Eu não acredito que exista uma única resposta, que sirva aos problemas de todos os jornais. Toda organização noticiosa terá de aparecer com sua própria versão e testar e aprender e tentar novamente. Fomos abençoados porque o modelo de paywall que levantamos se mostrou muito bem-sucedido.
Houve um debate interno aberto sobre se deveríamos fazê-lo ou não. No fim, os que achavam que deveríamos e os que achavam que não estão todos dizendo, agora, "Sim, funcionou!". Mas eu não digo que a resposta para o "NYT" seja para o "WP". Eles têm de tomar sua própria decisão.

Qual é o próximo passo, em termos de paywall? Aumentar o limite de reportagens?
Não temos planos de ajustar o limite, neste momento. O foco agora é o crescimento internacional, começar a criar sites em múltiplas línguas, como já fizemos na China e planejamos fazer na segunda metade do ano que vem no Brasil.

Por que o Brasil? Tivemos solavancos na economia, isso não afetou sua decisão?
Não, nem um pouco. Economias têm altos e baixos, é natural. Esta economia é forte e vibrante. O país tem potencial real para crescer para além de onde já está hoje. É a sexta economia no mundo e provavelmente será a quinta, não demora. Mais, sua taxa de crescimento diminuiu, porém muitos outros lugares estão encolhendo.
Mas é mais do que só a economia. É a cultura, o crescimento da cultura brasileira. Ela está sendo abraçada ao redor do mundo de maneira muito mais vibrante. É um lugar excitante, e tínhamos de ser parte disso.

O site brasileiro, como o chinês, não terá paywall. Vocês estão apostando em publicidade nos dois mercados?
Antes de mais nada, a publicidade é certamente parte, e estamos vendo publicidade muito, muito boa no site na China. E é publicidade de luxo, o tipo que esperávamos conquistar. Também temos de fazer o negócio crescer.
Não estamos dizendo que não vamos tornar os sites pagos em algum momento, mas vamos ver como eles se desenvolvem. Vamos dar a eles todas as oportunidades de atrair a audiência.

Como o sr. pretende lidar com a parte legal do empreendimento? A Constituição diz que organização noticiosa baseada no Brasil tem de ser 70% de propriedade de brasileiros e 30% de estrangeiros.
Estamos cientes da lei. Vamos fazer tudo absolutamente de acordo com as leis no Brasil. Estamos falando com as pessoas sobre o que isso significa e como podemos atingir nosso objetivo de uma maneira que siga as exigências legais.

O sr. disse uma vez que o "NYT" é agnóstico em termos de plataformas. Ainda acredita nisso?
Somos agnósticos quanto a métodos de distribuição, eu disse isso em 2001. Sim, ainda acredito. Nós temos de estar onde os nossos clientes nos querem. Enquanto nos quiserem no impresso, estaremos no impresso. E, enquanto nos quiserem em outros aparelhos, precisamos estar lá.
A matemática não mudou em séculos: jornalismo de qualidade atrai um público de qualidade, que nós podemos vender para anunciantes de qualidade. Isso é absolutamente correto. No coração disso está o jornalismo de qualidade. A maneira como escolhem receber a informação cabe a eles. Nós temos de estar lá para eles.

Por quantos anos ainda o sr. vê as duas plataformas, digital e impresso, convivendo?
Eu não posso responder, porque não sei a velocidade da mudança. Então temos de ser flexíveis. Enquanto as pessoas quiserem o impresso e pudermos fazê-lo com lucratividade, faremos. Quando disserem não, vamos reconhecer e mudar.
É como uma companhia de navios que quer se tornar uma companhia aérea. É a mesma missão, levar as pessoas através do oceano Atlântico, do Pacífico. Por que deveríamos nos importar se elas o fazem desse ou daquele jeito?

Vocês anunciaram que terão uma plataforma em HTML5 [para aparelhos móveis]. É uma maneira de se livrar da ditadura da Apple, vamos dizer assim?
Não, não é. Novamente, haverá diferentes caminhos, e temos de estar lá. E isso significa que você não pode dizer que só vai tomar um. Não é como o "FT", que tomou a decisão de deixar o aplicativo da Apple.

Seu pai se aposentou como publisher aos 65 anos. O sr. tem 61. Tem planos para sua sucessão e aposentadoria?
Sim, a família e o conselho de diretores trabalham duramente nisso. Ele se aposentou como publisher e seguiu como presidente, por mais cinco anos. É algo que estamos olhando com atenção. Sou a quarta geração da família Ochs Sulzberger, e há seis membros da quinta geração já na empresa.

Um é seu filho [Arthur Gregg Sulzberger]?
Sim, e outro é ele [aponta para Michael Greenspon, gerente-geral da Divisão de Serviço Noticioso e filho de uma prima sua]. Dois na Redação, quatro no lado empresarial.

O sr. assistiu ao documentário "Page One"?
Sim, é claro. [O colunista do "NYT"] David Carr é marcante, uma estrela de rock. Foi um desafio. Nós os trouxemos para dentro e eles estavam claramente fazendo algo na linha "como o jornalismo vai morrer e os jornais vão desaparecer". Mas o que acabaram fazendo foi um filme que dizia: "Ei, espere, no coração disso está o jornalismo, e o jornalismo de qualidade funciona e se paga".

Leia a íntegra
folha.com/no1170241

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