São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2011

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Mais desejados de 2011

Uma seleção de livros estrangeiros que merecem uma edição brasileira ainda neste ano

Filipe Campante
"Fault Lines", de Raghuran Rajan, e "Power and Plenty", de Ronald Findlay e Kevin O'Rourke [ambos publicados pela Princeton University Press] são dois livros sobre tópicos aparentemente díspares que permitem uma visão multifocal dos desafios e possibilidades que confrontam a economia global.
Para quem se interessa por ela, e pelo lugar que o Brasil nela ocupa, dedicar-lhes algumas horas de 2011 é excelente investimento.
Entender o momento crítico atual requer estudar o passado recente que nos trouxe até ele, de forma a vislumbrar as possibilidades que o futuro reserva.
Para tal, o livro de Rajan é dos melhores dentre os muitos publicados nos últimos meses.
Ele propõe uma tese intrigante sobre as origens da crise, ligando as bolhas de preços de ativos dos anos 90 e 2000 aos desequilíbrios na economia global e aos desafios políticos internos de países emergentes e industrializados -"falhas geológicas" que convergiram no sistema financeiro americano, gerando o terremoto global.
Sem respostas simples, serve de alerta para os riscos futuros -particularmente salutar em ocasiões de otimismo galopante como a que ora vivemos no Brasil.
Com a globalização sem precedentes, nossos destinos estão atrelados aos da economia mundial. Mas seria a globalização tão inédita? Findlay e O'Rourke extraem lições preciosas de sua magistral história do comércio internacional desde Genghis Khan.
O avanço da globalização é milenar, mas nada tem de inevitável, e navega ao sabor da ordem política internacional. O que vivemos agora é a reversão dos últimos dois séculos da "grande especialização" que dividiu o mundo entre centro industrializado e periferia produtora de bens primários -reversão essa bem ilustrada pelo Brasil produtor de ferro, soja e aviões.
A configuração política mundial terá de acomodar essa transformação, mas nada garante que o processo será suave ou mesmo bem-sucedido -como demonstrado pelo trágico fim, no início do século 20, da marcha globalizante alimentada pela especialização.
"Globalização" e a "grande recessão" são temas atualmente debatidos à exaustão, mas raras vezes com tanta lucidez e proveito.

FILIPE CAMPANTE
é professor-assistente de políticas públicas na Universidade Harvard.


Silvio Meira
"Rainbows End" (ed. Tor Science Fiction), livro de 2006 sobre a "história do futuro próximo" escrito pelo desconhecido (no Brasil) Vernor Vinge, deveria ser traduzido para o português? Sim: ganhou o prêmio Hugo, o mais importante da ficção científica, em 2007. Mas há muito mais.
Vinge é um dos autores da "teoria da singularidade", segundo a qual o conhecimento gerado por sistemas não humanos vai se tornar ininteligível e inadministrável pela humanidade. E a teoria diz que isso deve acontecer entre 2035 e 2050.
"Rainbows End" acontece antes (2025 em San Diego, Califórnia), mas não é menos impressionante. No romance, recondicionam-se cérebros destruídos por Alzheimer, mas não a ponto de terem de volta a mente antes da doença.
Resultado? Um trabalho danado para reconstruir relações, sem falar em voltar para a escola, onde se aprende a usar VRDs ("virtual retina displays"), sua nova ponte para um mundo mediado por redes, que passam a ser parte integral da experiência.
Decorar, jamais: pergunta-se para engenhos de busca. E a realidade fica aumentada e alternativa: dá pra dirigir pela avenida Brasil, no Rio de Janeiro, "vendo" a Champs-Élysées [em Paris], com carros, pedestres e sinais fazendo sentido. Se você tiver uma assinatura, claro.
Ou se aceitar propaganda.
Nesse mundo onde o abstrato é parte integral do real, junto com o concreto, os games se jogam em plena rua... ou no lixão, que pode se tornar as montanhas de um exoplaneta qualquer.
Mas já estou dizendo muito e estragando a surpresa.
Ah, sim... há uma companhia digitalizando todos os livros do mundo e bibliotecas (e o papel dos livros) estão sendo recicladas. Vai ver, não precisaremos nem esperar até 2025... nem a tradução para o português.
Isso porque o livro de Vinge está começando a acontecer na vida real muito mais rapidamente, talvez, do que ele próprio pensava.

SILVIO MEIRA
é fundador do www.portodigital.org
e cientista-chefe do www.cesar.org.br.


Claudia Antunes
Inspirador de coluna recente do americano Paul Krugman, indignado com a prorrogação dos cortes de impostos para os mais ricos num país que concentra renda e acumula deficit, "Zombie Economics" (Princeton University Press) se inicia com uma citação de John Maynard Keynes (1883-1946) que o resume:
"Homens práticos, que se acreditam bastante isentos de qualquer influência intelectual, são habitualmente escravos de algum economista defunto".
John Quiggin, ele próprio economista da Universidade de Queensland (Austrália), fala em linguagem acessível da persistência de ideias que vicejaram nas últimas três décadas, mas chegaram a ser dadas como mortas depois da crise de 2008.
Coisas como a eficiência das finanças para corrigir seus excessos, a "responsabilidade individual" na saúde e na aposentadoria, o efeito cascata do aumento da riqueza da minoria -quando a queda da renda do trabalho foi uma das causas da bolha imobiliária (a casa da família, várias vezes hipotecada, virou veículo de suplementação monetária).
Essas ideias não estão ausentes da emergência chinesa, assunto de "China and the Transformation of Global Capitalism" (Johns Hopkins University Press), que reúne textos de alguns dos principais estudiosos da expansão do capitalismo, entre eles o italiano Giovanni Arrighi, morto em 2009.
A coletânea foi organizada pelo chinês Ho-fung Hung, autor de um capítulo que discute se a ascensão de seu país é sustentável.
Ho-fung mostra a disputa interna entre os dirigentes chineses ligados ao setor exportador e aqueles que defendem a ampliação do mercado interno, o que exigiria medidas mais próximas da social-democracia.

CLAUDIA ANTUNES
é repórter especial da Folha.



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