São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Dilma, Serra, Marina e Argentina


Campanha eleitoral tem sido fraca, mas tentativa de invalidar a existência do adversário é bem grave

ATRÁS DA Casa Rosada, sede do governo argentino, havia em julho um outdoor de propaganda da presidente Cristina Kirchner. Na TV, Cristina aparecia com criancinhas num anúncio do INSS deles. Para o turista brasileiro, pareceu estranho e retrógrado. Mas Lula não faz troça da lei e propagandeia sua candidata em lugar e hora indevidos? É. Mas seus assessores e os de Dilma Rousseff têm dançado mais miudinho de modo a não infringir as normas sobre abuso de poder. Não o fazem por convicção, mas já é um progresso.
A lei da Ficha Limpa está borrada por imprecisões graves e deixa passar chicanas pelos seus furos. Mas é uma lei de iniciativa popular que o Congresso não teve como barrar, lei que vai colocar no gancho canalhas evidentes, que vai desencorajar os mais desaforados e, com o tempo, pode difundir a ideia de que não há como subir na política se dando a bandidagens. É um progresso.
A urna eletrônica é um progresso até quando olhamos para os modelares EUA, onde ocorreu uma eleição presidencial da qual até hoje não se conhece o resultado de fato, George Bush versus Al Gore, em 2000. O horário eleitoral gratuito é um progresso raro, mesmo com os truques e as distorções provocadas pelo dinheiro gasto nos programas. Sim, dinheiro e caixa dois são um problema grave, mas não só nosso.
O sistema eleitoral proporcional é ruim? Há muita controvérsia, mas não há sistema perfeito de traduzir votos em cadeiras no Parlamento. Os britânicos discutem se mudam o sistema de voto distrital simples. Não é o único caso de "a grama do vizinho parece mais verde".
É no mínimo muito incerto que partidos "fortes" (o que seriam?) ou em número reduzido produzam democracias melhores ou estáveis. A Venezuela era um exemplo de "bom sistema partidário" na segunda metade do século 20, ao menos para politólogos americanos -deu no que deu. O Chile era ainda mais modelar, mas teve Pinochet. Etc.
Leis apenas não fazem um verão democrático. Um aspecto preocupante desta campanha no Brasil, por exemplo, é a tentativa de invalidar o adversário. Invalidar, por vezes, é aceitável: suponhamos que um partido político pregue golpes ou guerra civil num regime democrático. Não dá pé. Invalidar também não significa desqualificar. Um adversário pode ser desqualificado mesmo, despreparado ou limitado, política ou intelectualmente, mas pode seguir as regras do jogo.
Estamos longe do ódio que se via na eleição de 1989, por exemplo. Mas invalidar o adversário é sempre um perigo a ser evitado. Não se trata de pregar a "convergência para consensos", outra bobagem de certa politologia. Porém, dizer "eu ou os bárbaros" dá em besteira.
Entre outros motivos, a Argentina está em crise política contínua desde 1930. Não é exagero. A ideia de proscrever ou exterminar o adversário pauta a política vizinha faz 80 anos. Houve golpe em 1930, fraude eleitoral sistemática nos anos 30, o quase fascismo de Perón nos 40 e 50. Presidentes eleitos foram todos derrubados nos 50 e 60, duas ditaduras militares e extermínio político em massa entre os 60 e 80, os governos Radicais acabaram antes de terminar em 1989 e em 2001. Houve a cleptocracia menemista e há kirchnerismo, "desconfortável" com a democracia, e seus inimigos de morte. Isso não acaba bem.

vinit@uol.com.br


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