São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2010

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BENJAMIN STEINBRUCH

Quando cautela significa ousadia


A economia entrou em voo de cruzeiro e a cautela da vovó sugere que não é hora de reduzir a velocidade

ÀS VÉSPERAS do início da Copa do Mundo, talvez o leitor preferisse um tema mais lúdico mesmo nas páginas de economia. Mas não posso deixar de enfatizar o importante tema do crescimento da produção e do emprego, e não dormiria tranquilo se deixasse de abordá-lo neste momento.
Na semana passada, o IBGE divulgou os dados sobre a produção industrial em abril. Houve uma queda de 0,7% em relação a março.
Nos últimos dois meses, surgiram os primeiros sinais de desaquecimento em alguns setores industriais. A indústria automobilística registrou queda de licenciamentos de 10% em maio. O setor produtor de linha branca também acusou uma pequena queda de demanda.
Em ambos os casos, a tendência tem a ver com o fim do incentivo fiscal do IPI, que vigorou durante o ano passado e o primeiro trimestre deste ano. Registre-se ainda a redução de produção no setor de bebidas, embora a queda possa ser atribuída, em grande parte, ao efeito sazonal do fim do verão.
Um desastre? Longe disso. Nos últimos 12 meses, a indústria nacional apresentou um crescimento acumulado médio de 2,3% e o setor de bens de capital continua em expansão, um indício de que a capacidade de produção deverá crescer a médio prazo para atender a um eventual aumento de demanda.
Mesmo com essa acomodação, o PIB nacional tem tudo para crescer mais de 6% em 2010, percentual garantido pelo ritmo chinês de expansão dos primeiros meses do ano.
Os setores mais conservadores empenham-se há meses em adotar medidas para segurar o ritmo de crescimento da economia brasileira. Acabaram as desonerações tributárias, o Banco Central já aumentou o depósito compulsório dos bancos para retirar liquidez da economia e os juros básicos já foram elevados. E o mercado financeiro quer mais: projeta uma taxa básica de 11,75% no fim do ano e alguns agentes mais radicais pedem até 13%.
Será que a economia precisa dessa overdose de calmantes? Os primeiros sinais de desaquecimento e o próprio ritmo da inflação indicam que seria melhor levar em conta o velho conselho do tempo da vovó: cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Grosso modo, só há uma razão para tentar reduzir o ritmo de crescimento da economia: a ameaça de aumento da inflação. Ocorre que essa ameaça vai ficando distante. Os últimos dados publicados pela Fundação Getulio Vargas sobre a evolução dos preços ao consumidor mostram que há um claro recuo da inflação. Na semana encerrada em 31 de maio, houve desaceleração do ritmo de alta em todas as sete capitais pesquisadas. São Paulo teve inflação zero. Em Porto Alegre, verificou-se até uma deflação de 0,14% na semana.
Some-se a isso tudo a ameaça que vem da Europa. Não há muita transparência ainda sobre as dimensões da crise europeia. Pode ficar restrita a certos países, mas também pode se alastrar e provocar uma nova recessão como a que ocorreu depois da crise americana.
Segundo o "Financial Times", no início da crise grega, Jim O'Neill, o economista criador da sigla Bric, estava confiante de que o imbróglio europeu não seria suficientemente grande para inviabilizar a recuperação que ocorre nos Estados Unidos e em toda a economia mundial. Agora, porém, ele já não está tão seguro.
Excessos de ortodoxia no Brasil, portanto, não deveriam ser incentivados no atual momento, por três razões: o crescimento da economia já não é tão forte quanto no início do ano; a inflação já não é uma ameaça tão real quanto se imaginou; e a recuperação da economia mundial já não é tão certa quanto parecia ser.
Amanhã, o BC vai se reunir para aprovar um novo aumento da taxa de juros. Não há por que ser mais realista que o rei. Nossa taxa básica já é a maior do mundo e não faz sentido aumentá-la ainda mais. Com muito esforço, a economia brasileira entrou em voo de cruzeiro e a cautela da vovó sugere que não é hora de reduzir a velocidade. Nesse caso, cautela significa ousadia.


BENJAMIN STEINBRUCH, 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Escreve às terças nesta coluna.

bvictoria@psi.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Schwartsman


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