São Paulo, terça-feira, 09 de novembro de 2010

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BENJAMIN STEINBRUCH

Opulência perturbadora


Apesar do mapa dividido entre o vermelho e o azul, a hostilidade de classes não é um problema no país


NO SÉCULO passado, o filósofo e escritor pacifista austríaco Stefan Zweig veio morar no Brasil para fugir dos horrores e das ameaças da Segunda Guerra Mundial. Em 1941, encantado com o que via, escreveu o livro "Brasil, País do Futuro", expressão repetida seguidamente desde então para caracterizar pejorativamente, ao contrário do que pretendia o autor, uma nação de grande potencial, mas que se move de maneira sonolenta e preguiçosa.
Ao visitar o Brasil naquela época, conta Zweig em seu livro, a impressão que se tinha do país era de uma "opulência perturbadora": sol intenso, céu azul, verdes matas, montanhas, rios, florestas e terra fértil.
Por tudo o que ocorreu nas últimas duas décadas, o Brasil já não é mais esse país do futuro descrito pelo filósofo. É o país do presente, que, desde o início dos anos 1990, abriu-se ao mercado externo, privatizou estatais ineficientes, domou a inflação, equilibrou contas externas, virou um dos maiores produtores mundiais de alimentos, fortaleceu a indústria e o agronegócio, conquistou autossuficiência em petróleo, acumulou reservas internacionais, distribuiu melhor a renda, criou mais empregos, deu início a investimentos de infraestrutura e ganhou enorme prestígio internacional.
Nos anos 1990, a ênfase foi na estabilidade. Na primeira década deste século, predominaram políticas sociais e de crescimento econômico.
Por mais que as duas principais facções da política brasileira tenham duelado nas últimas campanhas eleitorais pela paternidade dos avanços, está claro que eles decorrem do trabalho de ambas. Houve inúmeros tropeços nesse período, inclusive em matéria de probidade, mas qualquer observador isento tem a obrigação de admitir que o Brasil não é mais o país de Zweig.
A despeito disso, estamos longe de oferecer o nível ideal de conforto à população. É preciso dar continuidade às conquistas. A batalha das urnas terminou com a eleição de Dilma Rousseff para governar o país pelos próximos quatro anos. Foi uma disputa árdua, reciprocamente ofensiva em muitos momentos, mas podemos sair dela sem mortos e feridos se não houver arrogância de vencedores nem rancor de vencidos.
Impressiona a observação dos mapas publicados na imprensa, pintados de vermelho e azul, com resultados eleitorais. As regiões mais pobres do país são nitidamente governistas, e as mais ricas, oposicionistas. Mesmo em grandes metrópoles, há uma divisão quase cirúrgica.
Os bairros de classes C e D da periferia de São Paulo, por exemplo, votaram maciçamente em Dilma, e as zonas de classe média e média alta, em Serra. Está claro o recado das urnas: a população emergente quer manutenção das políticas sociais do atual governo, no sentido da distribuição de renda e da criação de empregos. O novo governo, portanto, não tem alternativa: precisa promover crescimento econômico continuado a qualquer custo.
Apesar do mapa dividido entre o vermelho e o azul, a hostilidade de classes não configura um problema na sociedade brasileira. A propósito, havia muito mais semelhanças do que divergências entre as propostas dos candidatos. Ambos sugeririam, por exemplo, mais austeridade fiscal e investimentos públicos em infraestrutura, desoneração do setor produtivo, manutenção da estabilidade e ênfase no crescimento e na criação de empregos. As convergências se estendiam para as políticas sociais e de renda.
Terminada a batalha eleitoral, portanto, o país do presente, pacificado, tem a obrigação de se voltar na direção desses consensos, que, em linhas gerais, olham para o desenvolvimento do mercado interno.
É estapafúrdio, por exemplo, que o primeiro tema pós-eleitoral seja a recriação de um tributo, a famigerada CPMF, assunto nem de raspão discutido na campanha.
É preciso avançar na direção contrária, da redução da carga tributária, outro consenso nacional, para aumentar a competitividade brasileira num momento em que o câmbio é um flagelo para as empresas exportadoras e em que novas ameaças surgem pela política monetária americana favorável à desvalorização ainda maior do dólar.


BENJAMIN STEINBRUCH, 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.

bvictoria@psi.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Schwartsman


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