São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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KEVIN BROWN

Repensar o crescimento da Ásia


O impacto de manter nos próximos anos o padrão do PIB seria devastador em termos ambientais e sociais


DIZER QUE o século 21 pertencerá à Ásia se tornou lugar-comum, ainda que embasado na realidade concreta do desempenho econômico. Mas primeiro há um grande problema a superar, e não se trata dos focos de potenciais conflitos na Coreia do Norte, ou na Caxemira. O problema é o perigoso ritmo de crescimento populacional na região, as dificuldades ambientais, de saúde e de segurança causadas por uma urbanização que está ocorrendo em escala única na história humana.
A ONU prevê que a população global crescerá mais de 50%, para 9,3 bilhões de habitantes em 2050, e que a proporção urbana do total subirá para 70%, ante pouco mais de 50% hoje. Mas o impacto será mais concentrado na Ásia, que abriga dois terços da população do planeta e na qual a rápida expansão econômica vem acelerando o processo natural de urbanização. Enquanto a Europa enfrenta o problema do envelhecimento de sua população, na Ásia (excluído o Japão) a questão será a corrida às cidades, estimada em cerca de 140 mil novos moradores ao dia.
O sucesso da região no que tange a esse problema terá forte impacto para determinar se este será de fato o século da Ásia. Até agora, os sinais não são favoráveis. Cerca de 550 milhões estão vivendo em cortiços e em habitações improvisadas na região.
As manifestações físicas da corrida por aumentar o PIB são evidentes em boa parte do continente. Em Mumbai, as favelas despertam ressentimento entre as pessoas que vivem precariamente em meio aos quarteirões ocupados pelos ricos em seus edifícios de luxo.
Em Hong Kong e Shenzhen, a poluição do ar congestiona os pulmões tanto dos bilionários quanto de suas empregadas domésticas migrantes.
Em Kuala Lumpur, os automóveis despejam gases de escapamento, aprisionados em congestionamentos nos quais quase não se movem, porque o governo ainda não construiu um sistema de metrô.
Sem mudanças substanciais, tudo isso piorará. Os 2 bilhões ou mais que se transferirão às cidades asiáticas até a metade do século duplicarão ou triplicarão a demanda por serviços de saúde, transportes, energia, habitação, saneamento, comida e água. Esses serviços terão de ser fornecidos no lugar e na hora certos, muitas vezes por governos incapazes de atender à demanda.
E a pior dessas crises já está acontecendo. Ao menos nove países, entre os quais China e Índia, são oficialmente classificados como deficientes em termos de abastecimento de água. Arjan Thapan, consultor especial do Banco de Desenvolvimento Asiático sobre água e infraestrutura, diz que a disparidade entre oferta e procura chegará a 40% em 2030, à medida que o crescimento populacional e a prosperidade econômica gerarem maior demanda por parte da indústria e agricultura.
Há alguns sinais de que a Ásia desperta para esses problemas. Alguns governos adotaram a inovadora abordagem de tratar a água como recurso econômico, e não como bem público. A Austrália reduziu em 30% seu uso total de água, uma década atrás, em parte por ter concedido aos agricultores a propriedade da água que usam. Isso significa que estão aptos a vender o excedente, em lugar de permitir o desperdício.
A verdadeira necessidade, porém, é uma nova abordagem quanto ao crescimento. Noeleen Heyzer, diretora da comissão econômica e social da ONU para a Ásia e Pacífico, diz que o impacto de tentar manter o padrão existente de crescimento pelos próximos 15 anos seria devastador em termos ambientais e sociais. Os governos da Ásia, diz, "não podem se dar ao luxo de crescer primeiro e cuidar da limpeza depois".
Se querem que este seja o século da Ásia, os governos terão de transformar o planejamento econômico e urbano, propiciando vastas economias em áreas como o uso de energia e água. Isso é possível? Talvez. Mas não deveríamos contar que aconteça.
Boas intenções, trabalho árduo e até verbas adequadas não bastarão. Um imenso esforço internacional de erradicação de favelas, na década passada, tirou 227 milhões de pessoas da pobreza. Mas o número total de moradores de favelas cresceu em 50 milhões em todo o mundo. As cidades atraem a esse ponto, mesmo que a recompensa seja viver sem emprego, em um barraco desprovido de água ou energia.

KEVIN BROWN é correspondente regional do "Financial Times" na Ásia. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Fábio Barbosa


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