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ENTREVISTA RAUL VELLOSO
Gasto estatal está na origem de desequilíbrio
Economista diz que Brasil virou o "rei do alto consumo", mas não tem poupança para sustentar a trajetória
FERNANDO CANZIAN
DE SÃO PAULO
Um dos maiores críticos do
gasto público no Brasil, o
economista Raul Velloso diz
que o país está se tornando o
"rei do alto consumo", mas
sem poupança para sustentar essa trajetória.
O descontrole do gasto
também estaria na origem
dos principais desequilíbrios
que se acumulam: juro alto,
real valorizado, rombo nas
contas externas e falta de investimentos na indústria.
Esses temas serão debatidos hoje e amanhã no seminário "Manifesto por um país
desenvolvido", na sede do
BNDES, no Rio, com a presença de ex-ministros, empresários e políticos. Leia entrevista de Velloso à Folha.
Folha - O sr. é um crítico da
expansão do gasto público,
principalmente dos relacionados a benefícios que não tiveram a contrapartida contributiva de quem os recebe.
Mas eles explicam em grande
medida a volta do dinamismo
à economia brasileira e o
crescimento do PIB. Quais
são os principais problemas?
Raul Velloso - Muitos pregam que seria possível aumentar o consumo a qualquer custo, puxando-o pelos
gastos públicos. O fato é que
o Brasil se tornou o rei do alto
consumo. Mas poupamos
pouco, e, no setor público, a
poupança é negativa. No final, para crescer minimamente, temos de absorver
poupança externa.
O que não se diz é que o
"modelo" do alto consumo
não ajuda a indústria de
transformação e tem um alto
custo fiscal. A indústria paga
a conta, porque algum setor
tem de gerar deficit externo
para a poupança entrar. E
não será o setor de commodities que vai fazer isso.
É daí que vem a apreciação
cambial. Como a poupança
pública não existe, os excedentes de divisas são comprados via endividamento
público, o que é caríssimo.
Hoje, o custo de carregar
as reservas que temos é de R$
50 bilhões ao ano, bem mais
do que a União investiu no
ano passado (R$ 34 bilhões) e
3,8 vezes os gastos com o Bolsa Família (R$ 13 bilhões).
Quem está pagando a conta
da valorização cambial é a indústria. É possível resolver o
problema com medidas outras que não o corte do gasto
público, como impor IOF, tarifas, vigiar o dumping?
Não. É tudo paliativo. Estamos diante de um impasse.
Antes mesmo da atual inundação de dólares, o real já estava se apreciando, sob o modelo do consumo elevado.
Nele, sobe a demanda em todos os setores. Mas, na indústria, o preço é dado externamente, pois ela compete
com os importados. E esse
preço não está subindo.
Os recursos que poderiam
financiar a indústria migram
para o setor de serviços, pois,
como não se pode importar
serviços, sua rentabilidade
aumenta pela falta de competição extra.
Devido a essa falta de investimentos e pelo fato de a
indústria ter preços que competem com o dos importados, as compras externas aumentam e há o crescimento
do deficit externo.
Diante da enxurrada de
dólares, o Banco Central continua comprando o excesso e
aumentando as reservas. Faz
isso emitindo dívida pública,
remunerada por um dos
maiores juros do mundo.
A solução correta seria o
governo gastar menos e economizar para comprar os dólares com recursos próprios,
como fazem os asiáticos.
No esquema atual, o custo
fiscal é galopante, e, quanto
mais reserva, mais dólar é
atraído. Em breve estaremos
recriando a CPMF (o imposto
do cheque), teoricamente para a saúde, mas de fato para
tapar o buraco nas contas.
José Serra disse que, se eleito,
dobraria o Bolsa Família. O
programa custa menos de 1%
do PIB e atinge mais de 40 milhões de pessoas. Não faria
sentido concentrar os recursos sociais justamente nesses
realmente miseráveis?
Sem dúvida. O Bolsa Família é o programa que mais
atinge a classe efetivamente
pobre. O que temos de fazer é
parar de dar aumentos reais
para o salário mínimo, que
corrige 27 milhões de benefícios sociais. É só pensar:
R$ 50 a mais para quem ganha um salário mínimo (de,
digamos, R$ 500) significam
um aumento de 10%.
Isso tem efeito distributivo
bem menor do que para
quem passa a ganhar R$ 70
no Bolsa Família.
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