São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

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OPINIÃO

Moral da história é que o consumo nunca nos satisfaz

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Cresci, na década de 1960, ouvindo reclamações contra a "comercialização" do Natal. Não há novidade na crítica, e a religião pode ser instrumentalizada para qualquer objetivo.
A fé católica foi usada, ou desvirtuada, para justificar o poder absoluto dos reis, consagrar guerras e invasões, promover massacres. Que o Natal hoje sirva para animar as vendas do comércio é destino melhor do que se servisse para legitimar, por exemplo, ataque a judeus.
O caso dos "Papais Noéis de aluguel", de todo modo, é diferente de simples "comercialização". Corresponderia, por assim dizer, a uma "terceirização" de serviços.
Se é que a maioria dos pais brasileiros segue a tradição de se vestir de Papai Noel. O costume clássico, que vemos em filmes americanos, talvez aqui tenha a enfrentar inimigos: a preguiça, o calor, o senso do ridículo, a disponibilidade da mão de obra...
Que não é tão barata assim. Pagar R$ 600 por Papai Noel de barba verdadeira não está ao alcance de qualquer um. Mas aqui entra o poder diabólico do consumo. Uma vez que você já tomou a decisão de gastar R$ 200 num velhinho, por que não ir logo atrás do melhor?
De resto, é interessante notar como todo preço, toda transformação de algum bem em "mercadoria", traz consigo um componente de desigualdade.
O pai de cada criança, vestido a caráter, não é comparável ao de outra; um não se troca pelo outro. Mas um Papai Noel gordinho de olhos azuis, a R$ 600 por hora, é melhor que um de R$ 120. Este fica com a classe C em ascensão; o super-rico pode importar um da Lapônia.
A moral da história, se é que há alguma, não está no fato de que tradições natalinas viraram bens de consumo; isso sempre foi a regra. Está no fato de que o consumo nunca nos satisfaz.
Empanturrar-se de comida não basta. Cobrir a casa com toneladas de luzinhas, vá lá, é interessante nos primeiros anos. Mas o que fazer nos seguintes? Onde gastar?
O dinheiro, hoje em dia, é o maior desempregado: há que inventar novas formas de mantê-lo em constante ocupação. E, se um Papai Noel é pouco, há duendes para acompanhá-lo.


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