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ENTREVISTA MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Não há mais centro e periferia, e o Brasil tem chances
ECONOMISTA VETERANA AFIRMA QUE A EMERGÊNCIA CHINESA MUDOU DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
A ascensão da China, com
sua demanda por produtos
primários, mudou a divisão
internacional do trabalho e
tornou datada a dicotomia
entre indústria e produção de
commodities que marcou a
trajetória brasileira durante
o século 20.
Quem faz a afirmação é a
economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do desenvolvimentismo, que propôs a ação do Estado para a industrialização,
a fim de superar a desvantagem nas relações de troca
com os Estados Unidos
-que, ao também produzirem matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços.
"Não tem centro e periferia
como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos",
afirma Conceição.
Ela deu entrevista às vésperas de ser homenageada
amanhã, no Rio, no lançamento do livro "O Papel do
BNDE na Industrialização do
Brasil", pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado.
Petista, Conceição aposta
que Dilma Rousseff mudará a
orientação ortodoxa do Banco Central, caso eleita, e diz
que o tucano José Serra, amigo com quem escreveu há 40
anos um artigo-marco,
"Além da Estagnação", é
conservador na área social.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Um dos problemas
do período abordado no livro, de 1952 a 1980, é o deficit
no balanço de pagamentos.
Hoje há essa preocupação de
novo. Os riscos são os mesmos?
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES - Não, naquela altura
o problema era a rigidez da
pauta de exportações. Só tínhamos produtos primários
e o único período em que
houve aumento desses preços foi na Guerra da Coreia
(1950-1953).
Além disso, a substituição
de importações não poupava
divisas. Ao ampliar o mercado interno, aumentava a demanda [por bens de capital
importados]. Hoje há uma indústria montada. O problema é o câmbio.
Mas e a preocupação com a
primarização das exportações?
Não tem cabimento, porque a primarização não se
parece com a de então. Antes, as relações de troca eram
desfavoráveis. Hoje, quem
demanda produtos primários é a China, a Ásia toda.
Naquela época, os EUA eram
nossos concorrentes.
O candidato Serra fala em risco de desindustrialização...
Desindustrialização houve no governo deles. O problema de agora é que o dólar
se desvalorizou e todas as
moedas valorizaram, exceto
a chinesa, que está amarrada
ao dólar com controle de capitais. A valorização não afeta as exportações, mas as importações, que estão disparando. Se você deixar entrar
à galega, acaba desindustrializando.
Como a sra. avalia as críticas
feitas a empréstimos do
BNDES para grandes grupos?
O papo de que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública não é verdade.
Formalmente, vai para a dívida fiscal, mas não é assim
porque no longo prazo os
empréstimos retornam, e o
retorno do investimento é
sempre positivo.
Mas até o [ex-presidente do
BNDES] Carlos Lessa diz que o
banco deveria ser mais exigente sobre investimentos no
Brasil, ao emprestar às grandes empresas...
Nisso, o Lessa discrepa do
[Luciano] Coutinho, que tem
a visão do que ocorreu no Japão, na Coreia, de escolher as
empresas vencedoras para
que elas se internacionalizem com poder de mercado.
É a única diferença, porque
ambos são desenvolvimentistas. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só
tem a charanga.
A Dilma e o Serra também são
desenvolvimentistas?
Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo. Quer acelerar a contração
do gasto público. Se cortar,
não se pode fazer nada de política social universal, tem
que ficar só com política para
pobre. Serra é desenvolvimentista do ponto de vista
industrial. O problema dele
são os programas sociais, o
aumento da Previdência, do
salário mínimo, as medidas
de alcance social mais profundo que o Lula tomou.
O ministério do segundo governo Vargas [1951-1954] lembra o do primeiro governo Lula, com empresários e monetaristas na economia. É coincidência?
No que diz respeito a Lula,
graças a Deus caiu o ministro
da Fazenda [Antônio Palocci]
e entrou o [Guido] Mantega,
que é desenvolvimentista.
O Banco Central é problema sempre, porque sua estrutura foi montada de tal
maneira que os que não pensam da mesma forma não
têm futuro lá dentro.
O que tem de fazer com o
BC é uma diretoria mista: metade conservadora para agradar aos banqueiros e outra
metade para ajudar o desenvolvimento. Conservador no
governo Lula foi só a política
monetária.
Mas isso num governo Dilma
pode mudar?
Com certeza vai mudar. É
só esperar e ver.
A conjuntura internacional,
em que a China é o grande demandante, favorece o Brasil?
É favorável. Ninguém
compete com a Ásia em produtos manufaturados, por isso aqui tem de ter certo controle das importações, mesmo disfarçado.
Mas o fato de serem demandantes de matérias-primas faz uma diferença cavalar, sobretudo para a América Latina. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na
qual nós estamos bem colocados porque exportamos
para todo mundo.
Mas a China compete com as
manufaturas brasileiras em
terceiros mercados...
Temos de nos precaver.
Mas acho que o Brasil tem
chance. Ter recursos naturais como temos, da água ao
petróleo, não é qualquer país
que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes.
A China tem uma área subdesenvolvida, no campo,
ainda tem que desenvolver o
mercado interno. Mas tem
um solo esgotado. Vai ter décadas importando alimentos, minério e petróleo.
Não tem centro e periferia
como antes. Tem países de
desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A discussão agricultura
""versus" indústria é datada.
Agora, na eletroeletrônica,
por exemplo, não avançamos. Por isso, o BNDES tem
política setorial, na farmacêutica, na química.
A senhora está otimista, então?
Pela primeira vez, porque
em geral sou pessimista.
Conseguimos passar a crise
sem problemas na dívida externa, com reservas, o que
nunca aconteceu. Espero
não me equivocar, mas, se
me equivocar, não estarei viva para ver.
FOLHA.com
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/me797136
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