São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2011

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MARIO MESQUITA

"Boomerang kids"


Com o insucesso no mercado de trabalho, os "boomerang kids" tiveram de retornar à casa dos pais


HÁ UM NOVO fenômeno social nos Estados Unidos. São os "boomerang kids". Não se trata de mais um grupo pop infanto-juvenil, mas sim de uma nova categoria social, a geração de jovens que, tendo deixado a casa dos pais nos anos pré-crise, teve de retornar a ela nos últimos anos ao se deparar com o insucesso no mercado de trabalho.
Como seria de esperar, o retorno dos bumerangues tem causado tensões intrafamiliares, derivadas da não planejada perda de privacidade e das dificuldades inerentes ao diálogo entre gerações.
Essa é apenas mais uma manifestação das consequências sociais da recessão profunda e da recuperação ainda débil vivida pela economia norte-americana. O fenômeno é novo, mas a situação da economia dos Estados Unidos não chega a surpreender, visto que há grande evidência empírica de que as recuperações que se seguem a crises financeiras tendem a ser mais lentas e difíceis do que as que sucedem recessões típicas.
Não obstante, a sociedade cobra da classe política e das autoridades soluções para os seus problemas. A dificuldade é que a margem de manobra para novas medidas de apoio à recuperação econômica parece, por diversas razões, ser exígua.
Em declaração recente, Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (o banco central americano), reconheceu que há limitações para o que a política monetária pode fazer em prol da recuperação econômica, admitindo que a mesma não é uma panaceia.
O discurso do presidente do Fed não foi um devaneio acadêmico, mas parece ter também um claro objetivo tático. Este é de sinalizar de forma preventiva que o Fed, nesse momento, não está muito disposto a implementar uma nova rodada de expansão quantitativa (conhecido em inglês pela sigla QE3).
É possível, contudo, contemplar cenários em que o Fed poderia se ver mais próximo de uma nova rodada de expansão. Isso provavelmente iria requerer que a taxa de desemprego caminhasse novamente para cerca de 10% (está em 9,1%, atualmente), que a medida de inflação preferida pelas autoridades voltasse para cerca de zero (está em 1%) e que os mercados de ativos, em especial o acionário, continuem a apresentar perdas importantes.
Mesmo caso tais cenários se materializem, as objeções a uma nova rodada de relaxamento quantitativo são várias. A maior dificuldade parece ser que as medidas de relaxamento quantitativo, qual seja, a compra de ativos selecionados pelo banco central, tendem a implicar um elemento maior de arbitrariedade e, consequentemente, maior vulnerabilidade política do que variações da taxa de juros que afetam a economia como um todo.
Explica-se. Se o banco central compra títulos públicos, pode acabar monetizando deficit governamentais, o que acabaria minando a independência do banco central.
Se compra títulos privados, fica precisando explicar por que prioriza o setor A ou B, isto é, o banco central se veria na difícil situação de ter de explicar por que prefere comprar ativos do setor imobiliário e não, por exemplo, do automotivo, ou aqueles associados ao comércio de bens duráveis.
Além disso, nas atuais circunstâncias de liquidez global abundante, uma nova rodada de relaxamento de política monetária nos Estados Unidos muito provavelmente teria vazamento significativo para os mercados de commodities.
Com isso, teríamos a combinação de inflação de ativos com inflação dos preços de matérias-primas e erosão do poder de compra de parcela da população -como já ocorreu no primeiro semestre deste ano. As camadas mais abastadas teriam valorização patrimonial e poderiam gastar mais, ao passo que o restante da população teria de apertar os cintos -o efeito líquido desses efeitos contrastantes sobre a demanda global seria questionável.
Os dados mais recentes mostram que a recuperação da economia americana segue em ritmo moderado, e o desemprego tende a seguir elevado por vários trimestres. Isso provavelmente levará ao adiamento do início do processo de normalização monetária, isto é, elevação das taxas de juros, mas não significa que uma nova rodada de expansão quantitativa seja muito provável.

MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen



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