São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Vida a crédito e eleições


Oposição ainda critica "os juros mais altos do mundo", mas população compra mais e cada vez mais a crédito

"O BRASILEIRO não presta atenção à taxa de juros. Verifica apenas se a prestação cabe no salário", segundo a crença disseminada entre varejistas, consultores e alguns economistas. Embora a opinião se baseie em pesquisas parciais, intuições generalizadas e evidências anedóticas, parece difícil contestá-la, em primeiro lugar porque muita gente que passou pelo ensino superior tem dificuldades com a regra de três, que dirá o público em geral.
Mesmo que soubesse a aritmética das porcentagens ou se fosse confrontado com a conta da enormidade da taxa de juros que paga, o cidadão médio adiaria a compra, pouparia antes? Além do mais, o que seria considerado "uma enormidade"? Qual a base de comparação? E qual o metro da satisfação: comprar logo ou pagar menos?
Isso é assunto para pesquisadores, que discutem até se a baixa propensão nacional a poupar seria devida ao "cadinho de raças" (sic) que compôs a população brasileira, a traços "étnico-culturais" (sic) arraigados. No que vem ao caso para o nosso arroz com feijão diário, essa crença disseminada de que a maioria dos brasileiros não matuta nos juros contrasta, no entanto, com discursos políticos e eleitorais, a presidente inclusive.
O candidato da oposição chuta o governo da "taxa de juros mais alta do mundo", o que é mesmo um aspecto teratológico do país. Mas o povo compra cada vez mais, ainda mais a crédito. O PIB de 2008 cresceu 5%, o consumo das famílias, 7%, o crédito para pessoas físicas, 25% (em termos nominais; "na real", deve ter sido um pouco menos). Em 2009, a economia estagnou, mas o consumo das famílias cresceu 4% e o crédito para pessoas físicas ainda cresceu quase 19,5%.
Na rateada do final de 2009, o crescimento do crédito, em 12 meses, baixou a algo em torno de 15%. Em julho, voltou ao ritmo anual de 19%. O governo federal e a federação dos bancos, a Febraban, estimam agora que essa taxa passa de 21% no final de 2010. O que cresce a 20% ao ano? Apenas cogumelos industriais e condomínios na China.
É verdade que depois da crise de 2008 e mais ou menos até agora o grosso do dinheiro e do estímulo a financiamentos veio do governo e de seus bancos. Mas até meados de 2008 não era assim, e a situação deve em breve voltar ao normal, se o governo não exagerar temerariamente na dose de crédito.
Juros altos arruinam o orçamento do governo, que gasta muito para rolar sua enorme dívida e, em parte bem menor, para subsidiar o crédito a empresas. Empresas investem menos ou ficam menos competitivas devido a juros altos. Etc. O problema é real e desastroso, óbvio. Mas que sentido faz para pessoas que agora compram mais dessas TVs grandes e fininhas, celulares incrementados, colchões ou tijolos, que não leem livros ou jornais, que não sabem aritmética e estão absorvidas por problemas da economia doméstica, mas não de política econômica?
Assim como o país inventou um modo perverso de conviver com a inflação, a indexação, acomodou-se a juros altos, que em parte menor sejam tão altos talvez porque tenham sido altos por tanto tempo (sic): por inércia. No caso da política, porém, não importa o motivo. Para a maioria, juros são mais invisíveis que fantasmas, para nem falar de outras aberrações da política econômica.

vinit@uol.com.br


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