São Paulo, quarta-feira, 17 de novembro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Caminhando contra o vento


Faniquito do mercado é um alerta: Brasil tem de lidar com mundo mais enrolado que o enfrentado por Lula


DIAS PIORES virão. Ou, menos pessimista, os dias melhores se foram, consumidos na euforia de 2003-2008. É o que nos relembra o faniquito de ontem dos mercados, previsível como as enchentes de São Paulo no verão. Foi apenas mais um episódio de um susto e uma corrida, que serão frequentes até que a economia mundial se aprume de novo, o que deve levar uma meia dúzia de anos, dizem os entendidos. Mas tais episódios são lembretes de que o Brasil não tem mais nem o tempo nem o lazer de se acomodar como o fez na maior parte dos anos Lula.
Os dias de vento a favor se foram em 2008. Nos anos Lula, o país como que consumiu os benefícios de mudanças institucionais realizadas nos anos FHC e, em muito menor escala, no início do próprio governo petista. Isto é, consumiu o efeito benéfico da relativa estabilidade econômica, das privatizações benfeitas (nem todas), da abertura comercial, da pequena desburocratização, da contenção das dívidas federal e estaduais, da reforma bancária. Sob Lula, houve inovações no crédito, a solução do problema da dívida externa, que parecia eterna, e a ampliação do consumo popular.
Gastamos os benefícios das mudanças institucionais e quase toda a possibilidade de ampliar o consumo devido ao efeito China e ao aumento do gasto público, que ora está no limite. O trem da economia não está à beira de bater no muro, mas sem novas mudanças a situação pode começar a deteriorar-se, ainda mais com ambiente externo ruim.
Por si só, a crise irlandesa não vai, claro, nos criar problemas. Os europeus vão dar um jeito de tapar esse rombo, assim como empurram com a barriga os casos de Portugal e da Grécia. Mas a Irlanda nos lembra que a Europa está meio fora do jogo: vai crescer pouco, não vai ampliar o comércio e seus problemas vão ajudar a envenenar ou pelo menos dificultar o diálogo econômico global.
Apesar dos alertas insistentes e de profecias eivadas de "Schadenfreude" (alegria com a desgraça alheia), parece difícil concluir que a China esteja à beira de uma desaceleração súbita. Mas a máquina chinesa, há anos rodando no limite, faz cada vez mais ruídos. O de ontem foi um mero clique, indícios de que os chineses vão tomar medidas de controle da inflação e, pois, do crescimento. Apenas a vaga suspeita de tais coisas estimula faniquitos no mercado, que suspende a especulação com moedas e commodities, derrubando seus preços. Mas tais cliques nos advertem de que o explosivo consumo chinês de commodities não é eterno e que parte dos preços pode ser inflação especulativa.
Problemas fervem em várias das bocas do fogão da economia mundial: EUA (deflação ou inflação, desemprego), Europa (crise da dívida, crise fiscal, crescimento pífio), China (talvez superaquecimento), comércio mundial (encrencado por questões cambiais, protecionismos e desânimo geral sobre novos acordos de liberalização). Uma dessas fervuras pode entornar. No mínimo, causa turbulências problemáticas.
Dilma Rousseff se elegeu com um programa inexplicado de continuidade. Não pode ser assim. O Brasil queimou as gorduras das melhorias da década passada, e o mundo é outro. Teremos, de fato, uma rara transição tranquila, em termos políticos e econômicos. Melhor assim. Mas será irresponsável fazer um governo de continuidade na inércia.

vinit@uol.com.br


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