São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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ANÁLISE COMMODITIES

Mudança do clima mostra a vulnerabilidade do agronegócio


LA NIÑA CAUSA TRANSTORNOS, COM REFLEXOS NOS MERCADOS DE TRIGO, MILHO, SOJA, CARNES E LEITE



GERALDO BARROS

ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao contrário do que se passa no longo prazo, no curto prazo os mercados de commodities podem ser muito instáveis, como se observa atualmente.
Após a assombrosa crise de 2007/2008, com preços de alimentos em altas históricas, em junho deste ano, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) lançou um tranquilizador "Outlook" (relatório semestral).
Apesar da turbulência macroeconômica, o lado da oferta assegurava perspectivas de preços sujeitos a mudanças moderadas e não preocupantes para cereais, açúcar, oleaginosas e carnes. Numa reviravolta, a FAO reúne-se emergencialmente neste mês, em Roma (Itália), para reavaliar o quadro atual e as perspectivas de nova onda de escassez e preços demasiadamente altos.
Parece agora que os recorrentes problemas climáticos numa diversidade de regiões podem lançar o mundo em crises mais frequentes. Ademais, essas crises tendem a se potencializar enquanto não for possível corrigir desajustes macroeconômicos através de uma ação coordenada no âmbito do G20, por exemplo.
Mais uma vez, o fenômeno La Niña vem causando transtornos ao redor do mundo, com reflexos palpáveis no mercado do trigo e, por extensão, nos do milho e da soja, e daí para carnes e leite.
Se um novo e problemático regime climático tiver se instalado, haverá campo fértil para propagação inflacionária nos próximos anos. Os países emergentes seguem em firme crescimento, mantendo aquecida a demanda mundial. O mercado financeiro acha-se com grande liquidez, em busca de oportunidades de aplicação, inclusive em commodities.
Numa conjuntura como essa, normalmente viriam clamores dos países desenvolvidos para contenção do crescimento. Porém, atualmente esses países se acham fragilizados e depositam grande esperança de recuperação no avanço acelerado dos emergentes.
A trava anti-inflacionária poderá ficar desativada desta vez, ao contrário do ocorrido no ano de 2008, quando a crise financeira responsabilizou-se pelo esfriamento do mercado.
No Brasil, o mercado interno segue em forte expansão, o desemprego permanece baixo, o crédito, abundante e os juros -em níveis baixos em relação ao histórico nacional- deixaram de subir.
Há renda suficiente para sancionar as altas de preços de produtos agropecuários que vão ocorrendo, com destaque para o boi (12% em dois meses), café (18% desde abril), algodão (28% desde julho) e açúcar (21% em um mês).
Os grãos também vêm se recuperando, sendo que o preço da soja já subiu 20% em relação ao do início de junho. O clima desfavorável já atinge alguns setores agropecuários, com alta de preços para certas atividades e, para outras, somente perdas de produção.
No Centro-Oeste e no Sudeste, a torcida para a vinda da chuva é grande. Se ela vier nos próximos dias, o problema terá sido passageiro. Se atrasar mais, o problema poderá se estender até o próximo ano, de forma generalizada.
Tudo isso se passa num panorama internacional propício à absorção de exportações volumosas, potencializando o aquecimento dos preços no mercado interno. Num quadro como esse, tentar segurar a queda do dólar -que regula a transmissão de preços externos para o mercado doméstico- pode se revelar uma estratégia de viés inflacionário.

GERALDO BARROS é professor titular da USP/Esalq e coordenador científico do Cepea/Esalq/USP.



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