São Paulo, quinta-feira, 18 de novembro de 2010

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ANÁLISE

A soberania da Irlanda e os problemas da zona do euro

DAVID GARDNER
DO "FINANCIAL TIMES", EM LONDRES

Existe uma antessala no Departamento das Finanças, em Dublin, na qual os ministros recebem visitantes. Retratos de ministros das Finanças enfeitam as paredes. Um deles foi Michael Collins, também líder dos insurgentes na guerra da Irlanda para se libertar do Reino Unido. O que diria ele, 88 anos após a independência, sobre a luta da Irlanda para reter a soberania econômica, contra mercados de títulos públicos e parceiros na zona do euro? Seria bastante possível que ressaltasse o fato de que a soberania irlandesa foi colocada em risco por um governo liderado pelo Fianna Fáil -descendente do movimento republicano que lançou uma guerra civil contra a facção favorável a um tratado de partição da Irlanda, na qual ele se tornou vítima. Foram os esforços do Fianna Fáil para prolongar artificialmente o boom céltico dos anos 90, conferindo extraordinárias liberdades aos seus cupinchas nos bancos e nas empresas de incorporação imobiliária, que resultaram na quebra dos bancos. E é a persistente equiparação entre as dívidas bancárias (vastas) e a dívida pública (administrável) da Irlanda pelo Fianna Fáil que vem lançando dúvidas sobre a solvência do país e sobre a carga financeira que caberá aos contribuintes irlandeses, ainda que o caixa do governo seja bastante positivo. Ao contrário da Grécia, que na prática tinha esgotado todas as suas reservas ao ser resgatada pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional no segundo trimestre, a Irlanda conta com reservas suficientes para manter seus pagamentos em dia até julho. Apesar disso, os mercados de títulos sentem que a posição dos bancos irlandeses possa ser pior que o custo de resgate de até 50 bilhões quantificado pelo governo no final de setembro. Isso representa um peso morto. Significa que a Irlanda agora precisa absorver cerca de um quarto do total de empréstimos do Banco Central Europeu aos bancos da zona do euro. Essa assistência já está se convertendo em uma abdicação de soberania, a julgar pela pressão do BCE. A resistência a isso, ao menos na mídia, é feroz. A Irlanda sempre considerou a Europa como oportunidade. Parte de sua motivação para resistir a um resgate é sem dúvida o medo de que se possa ver forçado a ceder fontes de vantagens competitivas, como os baixos impostos. Mas a história desempenha seu papel. O partido governante será tirado do poder pelos eleitores, cedo ou tarde. Mas o Fianna Fáil, ou Partido Republicano, encontraria dificuldades para sobreviver à vergonha de entregar ao BCE a tutela da Irlanda.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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