São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2010

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MARIO MESQUITA

O inferno são os outros


Este e o próximo governo terão de enfrentar os resultados da estagnação nas economias maduras


AS AUTORIDADES deste e do próximo governo terão, nos próximos meses, de enfrentar as consequências da estagnação nas economias maduras, e das políticas adotadas para mitigá-la.
Uma dessas consequências é a ampliação da liquidez, que tende, por um lado, a valorizar os chamados ativos de risco, inclusive os brasileiros, e, por outro, a contribuir para a alta nos preços das matérias-primas.
As economias que têm desempenho melhor, como a nossa, tendem a atrair volumes importantes de capital, seja de risco ou renda fixa, em busca de retornos maiores.
Especificamente, há uma fuga do dólar para todas as outras moedas, inclusive aquelas como o euro, que recentemente eram objeto de rejeição e desconfiança.
As reações a esse desarranjo cambial, em que o Brasil é vítima dos problemas e do oportunismo alheios, têm variado de intervenção, no caso japonês, a controles de capital, como aqui e na Tailândia, por exemplo.
Nesse ambiente, seria importante que a política monetária não ficasse sobrecarregada na função de controlar os ciclos econômicos de forma a garantir a estabilidade dos preços.
Em nosso caso, a política fiscal, e parafiscal via BNDES, que passou de contracíclica em 2009 para fortemente pró-cíclica em 2010, deveria entrar em campo.
As autoridades, que têm demonstrado muita preocupação com os efeitos do nível da taxa de juros sobre a taxa de câmbio certamente hão de querer propiciar ao Banco Central condições favoráveis para que ele desempenhe sua função precípua, que é garantir a estabilidade do poder de compra da moeda.
Para tanto, a julgar pelas evidências empíricas disponíveis, seria importante aumentar de forma significativa o superavit primário (de verdade, sem recorrer à contabilidade audaciosa). Com isso, todo o resto permanecendo constante, o Banco Central poderia atingir seu objetivo com menor esforço.
As evidências internacionais corroboram tal avaliação. Estudos acadêmicos mostram que o aumento de 1 ponto percentual nos gastos públicos leva ao aumento, na inflação, de aproximadamente 1 ponto percentual nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e de 0,8 ponto percentual no Chile.
Não há razão para supor que estimativas similares para o Brasil encontrariam resultados dramaticamente diferentes. Trabalhos de economistas do FMI (Fundo Monetário Internacional) chegam a resultados mais extremos, com uma amostra mais ampla de países, um aumento de 1,8 ponto percentual na inflação após aumento de 1 ponto percentual do PIB no deficit público.
Além das evidências empíricas, há simplesmente a lógica macroeconômica. Isso porque, negar a influência da política fiscal (e parafiscal) sobre as taxas de juros equivale a negar, inicialmente, que a política fiscal teria efeitos sobre a atividade econômica e, também, que a atividade econômica tenha algo a ver com a dinâmica dos preços.
A primeira proposição caracteriza um certo antikeynesianismo radical, presente em segmentos da academia americana, mas rejeitada na maioria das instituições multilaterais e nos bancos centrais, segundo a qual a antecipação de aumentos de impostos futuros, para cobrir o deficit corrente, levaria o setor privado a reduzir despesas em montante equivalente, gerando um efeito líquido nulo sobre a atividade.
A segunda atribui uma capacidade de resposta ilimitada à oferta, de forma a tornar virtualmente impossível qualquer efeito da demanda sobre a inflação, de modo que variações no grau de estímulo fiscal afetariam apenas o produto, e não os preços -isso poderia se aplicar ao Reino Unido dos anos 30 do século passado, ou aos EUA atualmente, mas não parece uma descrição fiel da conjuntura econômica em nosso país, haja visto o comportamento do mercado de trabalho.
Em resumo, é preciso apenas um pouco de pragmatismo para reconhecer que o ajuste fiscal contribuiria de forma importante para ajudar nossa economia a enfrentar os efeitos das dificuldades vividas pelo problemático centro da economia mundial.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker


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