São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

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CRÍTICA ECONOMIA

Ousadia de Prebisch rompeu ortodoxia da América Latina

Economista argentino revelou contradições entre o centro e a periferia

Spencer Platt - 25.set.2008 /Getty Images/France Presse
Manifestação em frente ao símbolo financeiro de NY; crise reacendeu teorias de Prebisch

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Quando entrou na faculdade de economia em Buenos Aires, Raúl Prebisch se decepcionou. Os professores só usavam textos estrangeiros, pareciam dar aula em Londres e não na América do Sul. Era início do século 20 e a elite argentina parecia se contentar em fornecer carne aos ingleses, de quem compravam manufaturas. A escola refletia essa dependência.
Prebisch resolveu estudar sozinho, trabalhou, pesquisou e inovou. Mostrou furos na teoria clássica. A dinâmica entre países ricos e pobres era desigual, provocava dependências. Ousou e criou a concepção de "centro e periferia". A industrialização era necessária para o desenvolvimento.
Esse é o núcleo de "Raúl Prebisch, a Construção da América Latina e do Terceiro Mundo", de Edgar Dosman.
A narrativa mostra uma história de altos e baixos, deslumbramentos e frustrações, subserviências e ousadias. Não é só uma biografia do argentino, mas também dos organismos multilaterais construídos no século passado para discutir economia, comércio e desigualdades.
Prebisch (1901-1986), tido como o "Keynes latino-americano", teve uma ascensão meteórica na burocracia estatal argentina. Ainda sob a influência da ortodoxia, errou seu diagnóstico sobre a crise de 1929, subestimando-a. No entreguerras, viu que o clima era de salve-se-quem-puder e jogou a teoria neoclássica no lixo.
Seu foco era fortalecer o Estado para salvar a Argentina, abalada com as vertinosas mudanças que significariam a queda dos britânicos (de quem dependiam) e o avanço dos norte-americanos. Queria organizar a economia, taxar os ricos, deslanchar a indústria. Angustiado, escreveu: "Quando o campo sofre na Argentina, todos sofrem, exceto os rentistas".
É dele a concepção do Banco Central argentino, depois exportada para diversos países. No BC, montou uma equipe que se autodenominou um "cartel de cérebros". Teve muitos revezes. Trabalhou com ditadores, enredou-se nas negociações comerciais com ingleses, cedeu dados sigilosos de empresas alemãs a americanos e foi duramente atacado pela esquerda.
Depois, quando quis ir para o FMI, foi vetado pelos EUA. "Os EUA haviam usado Prebisch quando ele era poderoso. Agora que estava fraco, podia ser descartado", escreve Dosman, 70, doutor por Harvard e professor de ciência política da Universidade de York, no Canadá.
O autor aponta como a integração regional era importante para o economista (ele chegou a imaginar um embrião de Mercosul).
Descreve em minúcias os processos que resultaram na criação da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) e da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Há exagero no relato do vai-e-vém diplomático. Nesse ponto, a leitura se arrasta no emaranhado de personagens e agendas.
Dosman também trata dos conflitos do argentino com Celso Furtado. O brasileiro, que foi censurado pelo então líder da Cepal, ficou perplexo quando Prebisch aplicou na Argentina um plano ortodoxo, no rígido estilo do FMI.
O livro traz os equívocos e os acertos de Prebisch, que foi idolatrado e execrado. Relata como, até o final da sua vida cheia de cargos importantes e salamaleques, precisou se preocupar em ter um trabalho para pagar suas contas. Eram outros tempos.

RAÚL PREBISCH
AUTOR
Edgar Dosman
EDITORA Contraponto
QUANTO R$ 80,00 (656 págs.)
AVALIAÇÃO Bom

FOLHA.com
Leia entrevista com Edgar Dosman
www.folha.com/me948443


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