São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

VINICIUS TORRES FREIRE

O desenvolvimentismo acidental


Políticas de Lula 2, do gosto de Dilma 1, resultaram de acasos e de oportunismos; ainda são pouco coerentes

HÁ UMA CHANCE razoável de Luciano Coutinho continuar no comando do BNDES. Se assim o for, pelo menos nominalmente o comando da política econômica de Dilma Rousseff será praticamente o mesmo do segundo reinado de Lula. Na falta de conceito melhor ou pelo menos tão conciso, diz-se que as ideias econômicas de Lula 2 foram "desenvolvimentistas". De modo estilizado, pode se dizer a respeito que:
1) O Banco Central era menos "conservador" que o de Lula 1;
2) O compromisso com a contenção do gasto público foi relaxado, vide os resultados de poupança primária (afora despesa com juros);
3) O BNDES cresceu enormemente, inflado por dívida do governo;
4) O governo interferiu na criação de oligopólios, intervenções "ad hoc", no caso de algumas grandes empresas semiquebradas, e/ou com a intenção de criar conglomerados e "múltis" brasileiras;
5) O governo passou a pautar modos e meios de grandes investimentos, induzindo empresas a se portar de tal ou qual maneira por meio de subsídios e de pressões políticas (grandes hidrelétricas, por exemplo; o Minha Casa, Minha Vida; Petrobras; Vale; agora o trem-bala).
Trata-se de um "desenvolvimentismo acidental". Tal "virada" deveu-se em parte a alguns acasos. José Dirceu caiu devido ao mensalão, dando lugar à "desenvolvimentista" Dilma. Antonio Palocci caiu devido ao escândalo do caseiro, dando lugar a Guido Mantega e a Luciano Coutinho. A crise de 2008 juntou a fome com a vontade de comer "desenvolvimentista". Dado o vexame liberaloide mundial e o pretexto da "política anticíclica", o gasto e o crédito público se expandiram para atenuar a recessão que viria, pós-colapso de 2008.
O governo Dilma tem pela frente a tarefa de dar forma, sentido e coerência a esse conjunto de políticas que, enfim, vieram mais a calhar do que foram projetadas. Ao mesmo tempo, terá de mostrar que essa por ora maçaroca "desenvolvimentista" poderá dar conta de problemas como inflação em alta, tributos demais, real forte, infraestrutura ruim e falta de crédito de longo prazo.
Montar as peças do "desenvolvimentismo" de modo coerente e consequente é problema difícil e novo.
Dilma quer baixar juros. Mas ainda não sabemos sua política fiscal. Não sabemos também o que será do BNDES, que tem peso enorme no crédito, empresta a juros camaradas e, assim, distorce a política monetária (a de juros do BC). No biênio pós-estouro da crise, de setembro de 2008 para cá, o BNDES foi responsável por quase 34% do aumento do estoque de crédito do país. De dezembro de 2007 a setembro de 2008, respondia por uns 12%. Nos últimos seis meses, por 27,5%.
O BNDES vai continuar tão grande? Se ficar menor, quem o substituirá? Se continuar grande, será mais difícil baixar os juros tão rapidamente quanto quer Dilma. A presidente quer que o governo invista mais e, ao mesmo tempo, acena com uma contenção fiscal ainda pouco explicada. Para o governo investir mais e, ao mesmo tempo, haver contenção fiscal, a limitação de despesas correntes teria de ser brutal (isto é, INSS, salários etc.).
Dilma, claro, merece o benefício da dúvida. Mas não será fácil transformar esse "desenvolvimentismo acidental" em política coerente, crível e consequente.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: ANTT diz que empreiteiras boicotam trem-bala
Próximo Texto: Petrobras cria empresa para operar sondas
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.