São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2011

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GUSTAVO CERBASI

Lições para vencer tragédias


No Japão, todos são iguais perante a lei, todos têm as mesmas obrigações, inclusive as autoridades
NA SEMANA PASSADA, uma manchete sobre a reconstrução do Japão, com fotos que mostravam o trecho de 150 metros de uma estrada que foi recuperado impecavelmente em seis dias, provocou debate nas redes sociais.
Milhares de internautas admiraram-se com a capacidade de reconstrução do Japão, outros tantos mostraram-se indignados com nossa incapacidade de fazer algo semelhante (porém, mal acabado) em um prazo inferior a meses.
Somos nós, brasileiros, incompetentes e ineficazes? Duvido disso.
Fosse verdade, não seriam os brasileiros uma parte importante da mão de obra da indústria japonesa.
Na verdade, trabalhadores brasileiros são idolatrados mundo afora por sua flexibilidade em assumir tarefas que transcendem as funções contratadas, pela humildade em estender o turno de trabalho sem cobrar por isso, pela criatividade diante de situações imprevistas. Temos nossos diferenciais culturais.
Por que, então, não conseguimos sequer recuperar em prazo razoável uma ponte caída? Por que remendos de desastres deixam suas marcas para todo o sempre? A resposta: estamos despreparados para o futuro.
No final de 2005, foi entregue a obra do estacionamento do aeroporto de Congonhas, com vagas para 3.000 veículos.
Cinco anos depois, na semana passada, não havia vagas para estacionar nem no aeroporto nem em nenhum estacionamento privado da avenida Washington Luís.
A emblemática ponte estaiada no final da avenida Roberto Marinho esteve congestionada na semana de sua inauguração.
A estação Vila Prudente do Metrô de São Paulo está intransitável, três meses após ter sido entregue à população.
Planejamento não faz parte de nossa cultura. Ou, se faz, é com uma visão de curtíssimo prazo. Como ironizou Marcelo Tas, é provável que o Japão esteja mais preparado para a Copa de 2014 do que o Brasil.
Deixo a ironia de lado e concordo plenamente com a previsão, pois o país do sol nascente reúne condições culturais indispensáveis tanto para administrar o futuro como para construir riqueza. Alguns elementos culturais presentes no Japão são evidentemente escassos no Brasil: poupança, disciplina e igualdade.
Pouco mais de 20% dos brasileiros afirmam que poupam, mas, na verdade, apenas postergam consumo. Enquanto os japoneses investem para refazer sua vida diante de um desastre, por aqui poupamos para as próximas férias ou para comprar um aparelho de TV no Natal. Isso, se ninguém da família ficar doente no meio do caminho.
Lá, não falta dinheiro para reconstruir ou, se nada de ruim acontecer, para investir.
Disciplina, o segundo ingrediente essencial, é evidentemente rara nestas bandas. Da histórica inflação elevada herdamos o hábito de não saber esperar o futuro. Da terrível ditadura, herdamos a aversão a qualquer imposição de ordem de caráter público -vide a indignação daqueles que são multados por excesso de velocidade ou de quem é convidado a soprar o bafômetro. A partir do mau exemplo do repugnante coronelismo daqueles que nos governam, herdamos a Lei de Gerson. No Japão, leis são seguidas, filas são obedecidas e projetos acontecem como planejados. Imprevistos são raros. Finalmente, falta-nos a igualdade de direitos e de obrigações. Há cinco séculos, um rebanho de miseráveis conta com seus padrinhos -governantes, patrões ou parentes ricos, poderosos e endinheirados- para zelar por seu futuro, e são atendidos. Como os direitos não são iguais para todos, entendemos que os deveres também não o são.
No Japão, alguns cidadãos estudaram mais e se deram melhor, outros não tiveram oportunidades e vivem de forma mais simples, mas todos são iguais perante a lei, todos têm as mesmas obrigações. Inclusive as autoridades. Daí vem o tal senso de união dos japoneses pelas constantes reconstruções.
Todos aprendemos com nossos erros, mas a milenar cultura japonesa teve mais tempo para errar, por isso hoje acertam mais. Sugiro aprender com eles.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Investimentos Inteligentes" (Thomas Nelson).
Internet: www.maisdinheiro.com.br
@gcerbasi


AMANHÃ EM MERCADO:
Benjamin Steinbruch


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