São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2011

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CRÍTICA RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Livro com depoimento do chanceler de Geisel aborda temas ainda relevantes

JOÃO DANIEL LIMA DE ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

É intrigante descobrir que, em 1974, os argentinos envenenaram o chanceler brasileiro antes do encontro com o secretário de Estado americano Henry Kissinger. É assustador saber dos muitos diplomatas integralistas que trabalhavam no Itamaraty de uniforme verde nos anos 30.
É dramático ouvir a confissão de que aprender a lidar com a morte dos filhos era a principal diferença entre a personalidade do general Geisel e a de seu ministro do Exterior, Azeredo da Silveira.
Afora esses aperitivos, o leitor ficará mais envolvido ao perceber em "Azeredo da Silveira: Um Depoimento" surpreendente atualidade.
O organizador, Matias Spektor, é o mais prolífico internacionalista da atualidade, e essa obra é a contrapartida que faltava para o livro-irmão "Kissinger e o Brasil" que ele publicou em 2009.
A questão energética, o início das relações com a China e o declínio norte-americano, a possível participação do Brasil no processo de paz no Oriente Médio e a aproximação com a África, a prevalência da América do Sul sobre a ideia abstrata de América Latina são todos temas atuais que Azeredo trata de discutir e aprofundar.
Autor dos aforismos mais citados do ministério ("Ao diplomata cabe construir o Brasil do futuro" e "A maior tradição do Itamaraty é saber renovar-se"), é bem compreensível que esta entrevista não pudesse vir à público até sua morte, em 1990. Afinal, Azeredo fala mal de todo mundo. Raul Fernandes nunca estudou: "Era um homem de bem, não era um simples entreguista". Delfim Netto "não é mais o mago que foi no passado. É fácil ser mago de porrete na mão".
Fala mal mesmo dos colegas diplomatas: "No Brasil, a carreira é ornamental e as pessoas ficam pernósticas. O símbolo passa a ser segurar um copo e dar um toquezinho para ver se ele tem som de cristal, conhecer vinhos".
Similar ao que ocorre hoje, Azeredo, em sua época (1974-79), renovou dois terços dos quadros do ministério, limitou severamente embaixadores de fora da carreira, criticou o racismo e a subserviência dos diplomatas da "velha geração" ("dependência é uma atitude mental", afirma) promovendo os mais jovens e os mais competentes.
Critica, ainda, a lentidão, a falta de criatividade e de eficiência da burocracia ("O ministério tocava piano de ouvido, não sabia harmonia nem contraponto").
A atual democratização do acesso ao MRE, incluída aí a luta contra o racismo, apesar das lamúrias dos antigos embaixadores contra a "perda de nível", alegrariam Azeredo, que certamente aplaudiria a renovação.


JOÃO DANIEL LIMA DE ALMEIDA é mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ

AZEREDO DA SILVEIRA:
UM DEPOIMENTO


AUTOR Matias Spektor (org.)
EDITORA FGV
QUANTO R$ 57 (408 págs.)


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