São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2010

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Uma política estéril


Como a queda do dólar é evento global, a compra da moeda americana não deve conter a alta do real

FOI ANUNCIADO na semana passada que o FSB (Fundo Soberano do Brasil) passaria a comprar dólares para evitar a valorização do real ante a moeda norte-americana.
As chances de atingir seu objetivo, porém, parecem muito remotas, a começar porque o diagnóstico acerca da força recente do real que parece estar por trás dessa decisão se afigura equivocado.
De fato, a reação das autoridades à apreciação da moeda sugere que entendem esse fenômeno como algo exclusivo do Brasil; no entanto, a mera observação do que se passa nos mercados um pouco além do umbigo local mostra que o enfraquecimento do dólar é um evento global.
A apreciação do real diante do dólar reflete, na verdade, a fraqueza deste último, resultante, em larga medida, da percepção de que a economia americana passa por um momento difícil no que se refere ao crescimento. Assim, nas últimas semanas (e meses), praticamente todas as moedas relevantes ganharam terreno diante do dólar.
O real, em particular, foi das que menos se fortaleceu, fato que transparece, por exemplo, no encarecimento local do euro (de cerca de R$ 2,20 para R$ 2,30), bem como das demais moedas dos países da OCDE e de vários países emergentes.
Nesse contexto, quem acha que o FSB pode conter a apreciação da moeda provavelmente também acredita que Noé precisava mesmo era de um guarda-chuva.
Entretanto, mais relevante do que isso é a semelhança entre a atuação do FSB e do Banco Central no mercado de câmbio, fato que sugere ceticismo adicional acerca da capacidade do FSB de impedir o declínio (local) do dólar.
O BC, quando compra dólares de um banco, faz o pagamento por meio de criação de moeda. Não se trata de imprimir novas notas e entregá-las ao banco que lhe tenha vendido a moeda estrangeira, mas sim de um depósito na conta de reservas bancárias que essa instituição tenha no BC.
Qualquer banco com excesso de reservas vai, normalmente, a mercado para repassar esses recursos para outra instituição, mas isso faria com que a taxa de juros a que os bancos trocam reservas bancárias (a afamada Selic) caísse relativamente à meta definida pelo BC na reunião do Copom.
Para evitar que isso ocorra, o BC compra de volta ("esteriliza") o excesso de reservas, trocando-as por títulos federais, de modo a trazer a taxa Selic para sua meta. No final do processo, tudo se passa como se o BC tivesse trocado diretamente títulos por dólares, mantendo, portanto, inalterada a taxa de juros.
Contudo, se a taxa de juros não se altera, a taxa de câmbio também deveria permanecer a mesma (supondo, é claro, que os demais determinantes da taxa de câmbio, como o preço de commodities ou o risco-país, se mantenham constantes).
Ou seja, a intervenção "esterilizada", que não implica alteração da taxa de juros, não deve ter efeitos sobre a taxa de câmbio.
O FSB, porém, fará exatamente o mesmo que o Banco Central, trocando títulos federais que lhe serão entregues pelo Tesouro Nacional por dólares, sem afetar a taxa de juros. Por que, então, deveria obter resultado diferente?
Afora isso, o agente responsável pelas compras do Tesouro Nacional será o próprio Banco Central. Assim, dado o ingresso líquido de dólares, compras mais elevadas por parte do Tesouro Nacional implicam necessariamente compras menores por parte do Banco Central, ou seja, mesmo se alguém quiser acreditar que intervenções "esterilizadas" poderiam ter algum impacto sobre o dólar, faltaria ainda explicar como a mera troca do ente público que compra moeda estrangeira poderia alterar de forma persistente a trajetória do câmbio.
Ao final da história, não deixa de ser revelador que -a despeito de toda a experiência acumulada desde 2004- ainda se insista em estratégias que já se provaram ineficazes, enquanto um ajuste fiscal que permitiria reduzir a taxa de juros continua a ser ignorado. O que falta para que a lição seja aprendida?


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Escreve às quartas-feiras, quinzenalmente, neste espaço.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


AMANHÃ EM MERCADO:
Silvio Meira


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