São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

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Visionário, Jobs levou a Apple ao topo

Steve Jobs, cofundador e presidente da empresa de tecnologia, é eleito homem do ano pelo "Financial Times"

Há pouco mais de uma década, tanto a carreira do empresário quantoa Apple eram vistas, em geral, como decadentes

RICHARD WATERS
JOSEPH MENN
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando Steve Jobs subiu ao palco do Yerba Buena Center, em San Francisco, em janeiro, coroou o mais notável retorno na história dos negócios modernos.
Não se tratava apenas da doença que o havia afastado do trabalho por um semestre em 2009. Pouco mais de uma década antes, tanto a carreira de Jobs quanto a Apple eram vistas como decadentes, e a relevância de ambos para o futuro da tecnologia era considerada nula.
No início deste ano, porém, a recuperação estava concluída. O nível de antecipação com que o evento de janeiro estava sendo aguardado era incomum mesmo sob os impressionantes padrões instituídos por Jobs.
Os críticos muitas vezes falam de maneira desdenhosa sobre o "campo de distorção da realidade" que o líder da Apple gera: sua capacidade de convencer os espectadores de que tecnologias que, sob outra batuta, pareciam incompletas na Apple chegaram a um pico de geração.
A capacidade de fazer com que as pessoas abandonem a descrença é essencial para estimular a demanda por aparelhos cuja necessidade era desconhecida para a maioria dos consumidores e representa uma arte da qual Jobs vem há muito sendo o mais conhecido mestre.
As especulações do mundo da tecnologia quanto ao que era descrito como mais recente revolução da Apple fervilhavam há meses. Um computador sem teclado e dotado de tela de toque, o novo aparelho poderia até causar impacto semelhante ao do iPod, introduzido em 2001, e ao do iPhone, de 2007. E o iPad, que Jobs levou com ele ao palco naquele dia, não decepcionou.

ASTRO DA TECNOLOGIA
Quando começou a conquistar manchetes, Jobs era ainda mais jovem do que Mark Zuckerberg é hoje. Muito antes que ser nerd se tornasse "cool", o papel essencial que desempenhou para popularizar o computador pessoal, e na oferta pública inicial de ações da Apple em Wall Street, fez dele o primeiro astro pop do setor.
Agora, passadas três décadas, ele garantiu seu posto no alto da escala dos gigantes da tecnologia da Costa Oeste dos Estados Unidos. O velho adversário Bill Gates pode ser mais rico e, no pico de sua carreira, talvez tenha exercido domínio maior. Mas o cofundador da Microsoft deixou os negócios para dedicar sua vida e fortuna às boas obras. Agora, os holofotes estão todos em Jobs.
De todos os incômodos que a Apple causou à Microsoft, nenhum deve ter sido mais desagradável que o sucesso do iPad. Gates propôs a ideia de um computador tablet há uma década, ainda que a necessidade de usar caneta especial para escrever na tela e a interface em estilo de computador tenham atraído baixa demanda.
O iPad já está provando ser bem diferente. Expandindo as inovações do iPhone, o aparelho aponta para um futuro no qual o mouse de computador será desnecessário, assim como o Windows.
Ao decidir quais aplicativos serão oferecidos na loja on-line e determinar as regras sob as quais aplicativos são desenvolvidos, a Apple governa seu novo reino com força muito maior do que a exercida pela Microsoft no mundo dos computadores pessoais.
Para os críticos, esse é o lado sombrio do perfeccionismo de Jobs. Porque, dependendo das boas graças da Apple, ideias novas podem ser sufocadas.
Por enquanto, porém, esses temores são em larga medida hipotéticos, e milhões de consumidores parecem muito felizes ao comprar sua porção da vida digital elegante e elegantemente simples que Jobs produz.
A sofisticação de seus novos aparelhos de tela de toque fica muito distante do início rudimentar da carreira de Jobs, na garagem da casa de seus pais adotivos em um subúrbio do norte da Califórnia. Era lá que as placas de circuito do primeiro computador pessoal projetado por Steve Wozniak, cofundador da Apple, eram montadas.

ARTE DO POSSÍVEL
A primeira passagem de Jobs pela Apple duraria menos de uma década. Aos 30 anos, depois de uma disputa de poder com um executivo mais experiente contratado para comandar a empresa em sua expansão, ele deixou a companhia. Mas, em 1997, a Apple, em crise, adquiriu a nova empresa de Jobs, a Next, e em menos de um ano ele voltava ao comando.
O iPad é a culminação de uma abordagem que ele parece ter aperfeiçoado ao longo de toda a sua carreira. Pessoas que trabalharam para Jobs o descrevem como um líder severo que compreende a arte do possível. Isso significa avançar incansavelmente em lugar de tentar explorar até a última gota os velhos sucessos, como o iPod.
Com o crescimento dos negócios da Apple, o estilo de Jobs mudou, de acordo com pessoas que trabalharam com ele. "Há muito mais pragmatismo", diz um veterano que deixou a empresa neste ano. Com vendas superiores a US$ 50 bilhões, a Apple agora precisa considerar o mercado de massa.
Nessa nova fase de sua vida, Jobs já não é o concorrente pequeno, mas combativo. Com o estímulo do iPad, as ações da Apple por fim superaram as da Microsoft, em maio, e fizeram-na a maior companhia mundial de tecnologia por valor de mercado. Outros rivais agora têm a Apple na mira, o que força Jobs a manobras competitivas que no passado pareceriam indignas dele. Apesar de tudo isso, impôs um padrão extremamente elevado aos seus rivais. "Não existem predadores capazes de prejudicar a Apple, no momento", diz McNamee. "Creio que, se eles lançassem uma lavadora de louça, as pessoas comprariam."
Em sua autobiografia, John Sculley, antigo executivo da PepsiCo que comandou a Apple no passado, afirmava sobre as ambições do empresário que ele terminou por expulsar da empresa:
"A ideia era que a Apple se tornasse uma maravilhosa fabricante de bens eletrônicos de consumo. Era um plano lunático. Produtos de alta tecnologia não podem ser projetados e vendidos como bens de consumo". Sculley não poderia estar mais enganado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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