São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2010

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GUSTAVO CERBASI

Mentiras que nos contam


Um público imenso agora se expõe a armadilhas financeiras que os mais ricos já conseguem evitar


APESAR DA evidente disseminação da educação financeira no Brasil, é indiscutível que o que já foi feito não passa de uma gota em um oceano.
Apesar de os mais informados estarem investindo melhor, financiando mais barato e comprando mais, temos agora uma nova classe consumidora que ainda está escrevendo as primeiras páginas de sua riqueza. São os trabalhadores com o primeiro registro em carteira, as famílias que assinaram o primeiro financiamento da moradia, os jovens que compram seu primeiro carro.
Um público imenso que está se deparando com incontáveis decisões financeiras importantes pela primeira vez na história de suas famílias e que está extremamente exposto a armadilhas que os mais ricos já aprenderam a evitar.
Por mais que a mídia se esforce em orientar e alertar para a diferença entre bons e maus negócios, pesam sobre a sociedade vícios de escolha baseados em verdades infundadas, ou melhor, mentiras que não são vistas como tal pela maioria das pessoas, mas que se consolidaram nos hábitos dos consumidores.
Entre as mentiras mais comuns está a percepção de que as palavras "promoção" e "oferta" significam algo barato ou vantajoso.
Quem tem o hábito de comprar com frequência sabe que, na maioria das vezes, promoção e oferta significam apenas que determinado produto está sendo oferecido mais entusiasticamente pelo varejista, sem necessariamente apresentar vantagem econômica se comparado aos preços da concorrência. Da mesma forma, o consumidor que não atenta aos preços do que compra costuma pensar que liquidação é o período mais vantajoso de consumo. Na verdade, costuma ser um simples retorno ao preço justo, após uma forte alta de preços em datas comemorativas.
Nas minhas palestras, tenho o hábito de perguntar aos participantes qual é, na opinião deles, o mais eficiente investimento que não apresenta riscos ao poupador.
A resposta é quase unânime: caderneta de poupança, que está longe de ser livre de risco e também não se encontra entre os produtos mais rentáveis de renda fixa.
Para quem possui mais de R$ 60 mil aplicados, o risco da caderneta de poupança é exatamente o mesmo do CDB -normalmente mais rentável- e superior, por exemplo, ao dos títulos públicos. Enquanto os primeiros estão sujeitos à possibilidade de falência do banco, os títulos públicos são garantidos pelo superavitário governo brasileiro.
Também ouvimos comumente que consórcio é investimento, quando, na verdade, é uma cara modalidade de compra parcelada. Que ter uma casa própria financiada é sinônimo de segurança, apesar de ser uma enorme dívida que pressiona o nosso orçamento e limita as nossas escolhas.
Que títulos de capitalização são a pior escolha, apesar de serem um excelente instrumento disciplinador de poupança. Que a moradia é o principal investimento da família, apesar de ser apenas uma fonte de custos, longe de ser capaz de garantir qualquer segurança financeira.
Que fulano não tem dívidas, só está usando todo o limite do cheque especial. Que o cartão de crédito é uma bênção, já que não nos obriga a pagar toda a fatura na data do vencimento -haja ingenuidade!
Mentiras, autoengano, ingenuidade ou ignorância, pouco importa o nome. O fato é que os comportamentos e opiniões que citei são fortemente presentes na grande massa de consumidores brasileiros.
Alguns nasceram de limitações ao acesso à informação, tempos atrás, e foram reforçados pelo marketing eficiente das instituições que comercializam os respectivos produtos. Outros, como a ideia de ser o consórcio um investimento, foram indecentemente plantados na cabeça de consumidores despreparados para entender contratos, sendo por eles ingenuamente disseminados.
Percebe-se, então, que a educação financeira tem pela frente um desafio muito maior do que simplesmente informar.
É preciso também mudar maus hábitos, e todos sabemos que é mais difícil abandonar hábitos antigos do que conquistar novos.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Mais Tempo, Mais Dinheiro" (Thomas Nelson Brasil).
Internet: www.maisdinheiro.com.br


AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Schwartsman


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